Experimento na Estação Espacial Internacional abre caminho para novas opções culinárias e revela como a vida microbiana se adapta ao ambiente desafiador fora do nosso planeta.
Imagine só poder saborear uma tigela fumegante de sopa de missô enquanto orbita a Terra a milhares de quilômetros por hora. Parece ficção científica? Pois saiba que um passo significativo nessa direção acaba de ser dado! Cientistas conseguiram produzir, pela primeira vez de forma deliberada, um alimento fermentado a bordo da Estação Espacial Internacional (ISS): o missô espacial. Este feito inédito não só promete ampliar as opções gastronômicas dos astronautas em longas missões, mas também oferece insights valiosos sobre a resiliência da vida microbiana fora do nosso planeta.
Uma Jornada Gastronômica Rumo às Estrelas
A iniciativa partiu de Maggie Coblentz, pesquisadora do renomado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), e Joshua Evans, da Universidade Técnica da Dinamarca. Em março de 2020, eles enviaram ao espaço um pequeno recipiente contendo pasta de soja cozida, o ingrediente base do missô. A bordo da ISS, essa pasta foi deixada para fermentar por exatos 30 dias, sob o olhar atento de sensores que monitoravam constantemente condições cruciais como temperatura, umidade, pressão e níveis de radiação. Ao final desse período, o material retornou à Terra, já transformado no aguardado missô espacial. Os detalhes e resultados dessa pesquisa pioneira foram publicados ontem, 2 de abril de 2025, na conceituada revista científica iScience.
O Sabor Inédito do “Missô Espacial”
A grande questão era: qual seria o gosto desse missô vindo do espaço? Para responder a isso, os pesquisadores realizaram testes sensoriais comparando o produto espacial com outros dois lotes de missô fermentados simultaneamente na Terra – um em Cambridge, Massachusetts (EUA), e outro em Copenhague, na Dinamarca.
O resultado foi surpreendente. O missô espacial apresentou o característico sabor umami, fundamental na culinária japonesa e semelhante ao das versões terrestres. Contudo, havia uma diferença notável: os pesquisadores descreveram um perfil de sabor “mais tostado e com notas de nozes”, algo único da versão orbital.
“Não sabíamos o que esperar — a fermentação nunca havia sido feita antes no espaço”, confessou Evans, coautor do estudo. “O missô espacial era mais escuro e claramente mais agitado — o que faz sentido, já que viajou muito mais do que os misôs da Terra. Foi emocionante sentir o cheiro e provar a primeira mordida.”
Por Que a Diferença? O Impacto do Ambiente Espacial
A explicação para essa diferença intrigante no sabor reside, provavelmente, nas condições únicas encontradas no espaço. Evans aponta que fatores como a microgravidade e os níveis elevados de radiação podem ter influenciado diretamente o crescimento e o metabolismo dos micróbios responsáveis pela fermentação (como o fungo koji). Essas alterações no comportamento microbiano, por sua vez, impactaram o processo bioquímico da fermentação, resultando nesse perfil de sabor distinto.
Mais Que Sabor: As Implicações Científicas e Culturais
Este experimento vai muito além de simplesmente criar um novo ingrediente para astronautas. As implicações são vastas e fascinantes.
Entendendo a Vida Fora da Terra
Para Coblentz, a coautora do estudo, a fermentação bem-sucedida do missô na ISS é uma demonstração poderosa do “potencial da vida existir no espaço”. Ela ressalta como o experimento evidencia a capacidade de uma comunidade microbiana complexa não apenas sobreviver, mas prosperar em um ambiente tão diferente e hostil quanto o espacial. Isso abre novas portas para entendermos a adaptabilidade da vida.
Expandindo Horizontes Culinários e Culturais
Além disso, Evans acredita que pesquisas como esta podem “melhorar o bem-estar e o desempenho dos astronautas”, oferecendo-lhes alimentos mais variados, saborosos e com possíveis benefícios probióticos (embora a análise nutricional detalhada do missô espacial ainda esteja pendente). Ele também destaca o potencial para “convidar a novas formas de expressão culinária, expandindo e diversificando a representação gastronômica e cultural na exploração espacial, à medida que essa área cresce”. Levar um pouco da cultura terrestre, como a culinária, para o espaço torna a experiência mais humana.
O Missô Tradicional vs. O Experimento Acelerado
Para quem não conhece, o missô é uma pasta salgada, tradicionalmente feita a partir da fermentação de soja cozida, água, sal e um fungo chamado koji (Aspergillus oryzae). No Japão, é um pilar da culinária, base para sopas, molhos e marinadas, com variações regionais. O processo tradicional leva meses, às vezes anos, para desenvolver plenamente seu sabor umami complexo.
É importante notar que, embora muitos alimentos fermentados como o missô terrestre sejam ricos em probióticos benéficos para o intestino, ainda são necessárias análises mais aprofundadas para determinar o perfil nutricional exato e os possíveis benefícios do missô espacial.
O Futuro da Comida no Espaço
Este experimento com o missô espacial não é um caso isolado. A busca por cultivar e preparar alimentos frescos e variados fora da Terra é uma área em constante desenvolvimento. Cientistas na ISS já tiveram sucesso cultivando alface, rabanetes e até pimentas – que renderam uma famosa “festa de tacos espaciais” em 2021.
Paralelamente, uma empresa japonesa, a Asahi Shuzo, conhecida pela marca de saquê Dassai, está investindo na produção de saquê fermentado no espaço, utilizando o módulo experimental Kibo da ISS. A empresa planeja, inclusive, lançar equipamentos específicos para fermentação espacial em 2025. O missô espacial é, portanto, mais um passo promissor na longa jornada para tornar o espaço um lugar mais saboroso e habitável.