No domingo, 9 de fevereiro de 2025, Elon Musk, o bilionário sul-africano dono da plataforma X e da Starlink, voltou a causar alvoroço com uma série de tuítes contra as políticas de ação afirmativa da África do Sul. Acusando líderes políticos do país de promoverem um suposto “genocídio” contra a população branca, Musk reacendeu um debate global sobre raça, reparação histórica e poder econômico. Suas declarações, feitas em um momento de tensão diplomática entre a África do Sul e os Estados Unidos, colocaram o magnata mais uma vez no centro de uma controvérsia que mistura sua história pessoal com visões políticas radicais.
O Estopim: Um Ataque Direto a Julius Malema
Tudo começou com uma postagem no X, onde Musk reagiu a um discurso de Julius Malema, líder do partido Combatentes pela Liberdade Econômica (EFF). Conhecido por sua retórica inflamada e por defender a redistribuição de terras como reparação às injustiças do apartheid, Malema foi alvo da ira do bilionário. “Apelando abertamente ao genocídio contra os brancos!!”, escreveu Musk, referindo-se a trechos do discurso que incluíam o cântico “Kill the Boer” — uma canção histórica da luta contra o apartheid que Malema já defendeu como metáfora, não como incitação literal à violência.
Contexto Sul-Africano em Jogo
A crítica de Musk não parou em Malema. Ele também questionou o silêncio do presidente Cyril Ramaphosa, sugerindo que o governo sul-africano endossa o que chamou de “racismo reverso”. O foco do bilionário recai sobre as leis de ação afirmativa do país, como a política de Empoderamento Econômico Negro (BEE, na sigla em inglês), que exige cotas de participação de negros em empresas e busca corrigir desigualdades herdadas do apartheid. Para Musk, essas medidas discriminam a minoria branca — uma visão que ignora o abismo socioeconômico que ainda separa brancos e negros mais de 30 anos após o fim do regime segregacionista.
Raízes no Apartheid: A Formação de Musk
Nascido em Pretória em 1971, Elon Musk cresceu em um ambiente privilegiado durante o auge do apartheid, sistema que privilegiava a minoria branca em detrimento da maioria negra. Filho de uma modelo canadense e de um engenheiro sul-africano, ele frequentou escolas de elite e deixou o país aos 17 anos, rumo ao Canadá e, depois, aos Estados Unidos. Sua trajetória como branco em um regime de hierarquia racial rígida é frequentemente citada por críticos como um fator que moldou sua visão de mundo, especialmente diante de políticas que desafiam o status quo que beneficiou sua família.
A “Máfia do PayPal” e Peter Thiel
Musk não está sozinho nesse debate. Ele integra um círculo de bilionários libertários com laços na África do Sul da era apartheid, apelidado de “máfia do PayPal”. Um dos nomes mais proeminentes desse grupo é Peter Thiel, cofundador do PayPal ao lado de Musk. Thiel, nascido na Alemanha e criado parcialmente na Namíbia — então sob controle sul-africano e influência do apartheid —, é conhecido por suas visões conservadoras e por financiar causas alinhadas ao libertarianismo radical. Embora não haja evidências diretas de que Thiel endosse as críticas de Musk à África do Sul, a conexão entre os dois reforça a percepção de uma elite que resiste a mudanças estruturais em nome da “liberdade de mercado”.
Repercussão e Tensões Diplomáticas
Os comentários de Musk chegam em um momento delicado. Na semana anterior, o governo sul-africano ameaçou suspender exportações de minerais essenciais — como platina e cromo — para os Estados Unidos, em resposta às sanções anunciadas pelo presidente Donald Trump. Trump, aconselhado por Musk, cortou mais de 400 milhões de dólares em ajuda ao país, citando a nova Lei de Expropriação, assinada por Ramaphosa em janeiro de 2025. A legislação permite a desapropriação de terras sem compensação em casos específicos, como terrenos ociosos, para corrigir desigualdades fundiárias históricas — uma herança do apartheid, quando negros foram expulsos de suas propriedades e confinados a áreas segregadas.
A Resposta Sul-Africana
Ramaphosa rebateu as acusações de Musk e Trump com firmeza. Em um pronunciamento no X em 3 de fevereiro, ele afirmou: “Não estamos confiscando terras. Nossa política busca equilibrar o uso público da terra com os direitos de propriedade, como em muitos países, incluindo os EUA”. O presidente também conversou diretamente com Musk em 4 de fevereiro, pedindo que ele corrigisse “distorções e desinformação” sobre a África do Sul, mas o bilionário manteve sua postura.
O Debate na Web e as Contradições de Musk
A onda de tuítes de Musk incendiou as redes sociais. Enquanto apoiadores no X elogiaram sua “coragem” ao “denunciar o racismo reverso”, críticos o acusaram de hipocrisia e desconexão. “Ele cresceu no topo do apartheid e agora quer ditar como reparar o que aquele sistema destruiu”, escreveu um usuário sul-africano. Outros apontaram que a Starlink, empresa de Musk, foi barrada no país por não cumprir as regras do BEE, o que pode ter motivado seu ataque às políticas locais.
Progressistas vs. Malema
Curiosamente, Malema também enfrenta críticas dentro da própria esquerda sul-africana. Líderes progressistas frequentemente o acusam de populismo e de usar a questão racial para fins eleitoreiros, sem oferecer soluções práticas. Ainda assim, analistas como Wandile Sihlobo, economista agrícola, defendem que as políticas de redistribuição são essenciais: “Os brancos, 7% da população, ainda detêm 70% das terras privadas. Isso não é sustentável”.
Um Legado em Xeque
Mais de três décadas após o fim do apartheid, a África do Sul segue lidando com suas cicatrizes. A minoria branca, embora não mais no poder político, mantém um padrão de vida significativamente superior ao da maioria negra, que enfrenta desemprego e pobreza em níveis alarmantes. Para Musk, porém, essas políticas de reparação são uma afronta. Suas palavras ecoam um discurso que encontra ressonância em círculos conservadores globais, mas que, para muitos sul-africanos, ignora a complexidade de um país em busca de justiça histórica.