Em um posicionamento que pode soar surpreendente para alguns, o Grupo Prerrogativas, coletivo de advogados notório por sua postura crítica e contundente contra os métodos da Operação Lava Jato, manifestou apoio à prisão do ex-presidente Fernando Collor, efetivada nesta sexta-feira (25), e à decisão do ministro Alexandre de Moraes (STF) que determinou a execução da pena. Para o grupo, conhecido como “antilavajatista”, o caso Collor serve para “separar o joio do trigo” no conturbado legado da operação, argumentando que a condenação do ex-presidente se sustenta em um “conjunto robusto de provas”, diferenciando-se de outros episódios que consideram marcados por “arbitrariedades”. A defesa da prisão de Collor pelo Prerrogativas adiciona uma camada de complexidade ao debate sobre a Lava Jato e seus desdobramentos.
O Histórico do Prerrogativas: Crítica Firme aos Métodos da Lava Jato
Para entender o peso da declaração atual, é preciso recordar o histórico do Grupo Prerrogativas. Formado em 2015, no auge da Lava Jato, o coletivo reuniu advogados criminalistas e juristas proeminentes (muitos atuando na defesa de réus da operação ou ligados a setores progressistas) com o objetivo principal de denunciar o que viam como abusos e violações de garantias fundamentais por parte da força-tarefa de Curitiba e do então juiz Sergio Moro.
Ao longo dos anos, o Prerrogativas foi uma voz constante na crítica a aspectos como prisões preventivas prolongadas, vazamentos seletivos de informações, suposta parcialidade do juízo e, crucialmente, a alegada supervalorização de delações premiadas, muitas vezes, segundo o grupo, obtidas sob coação e sem corroboração por provas independentes. Sua posição crítica à metodologia da Lava Jato é, portanto, bem estabelecida.
A Defesa da Prisão de Collor: O Foco na Robustez das Provas
Então, por que um grupo tão crítico à Lava Jato defenderia a prisão de um político condenado em um processo originado nesse contexto? A chave, segundo Marco Aurélio de Carvalho, um dos porta-vozes do Prerrogativas, está na qualidade e na natureza das provas que sustentam a condenação de Collor pelo STF (confirmada em maio de 2023, por corrupção e lavagem de dinheiro no caso BR Distribuidora/UTC).
A avaliação do grupo é que, neste caso específico, as evidências vão “além da delação premiada”. Ou seja, a condenação não se basearia apenas na palavra de colaboradores (como Ricardo Pessoa, dono da UTC, que foi um delator chave), mas sim em um “conjunto robusto” que incluiria provas documentais, financeiras ou testemunhais independentes, capazes de sustentar a acusação dentro dos rigores do devido processo legal – critério que o Prerrogativas sempre defendeu.
Distinguindo Casos: Collor vs. Temer e a Crítica à “Espetacularização”
Para reforçar seu ponto, Carvalho traçou um paralelo explícito com a prisão temporária do ex-presidente Michel Temer em 2019, outro desdobramento da Lava Jato. Naquela ocasião, o Prerrogativas foi veementemente contra, classificando a detenção como “midiática”, espetacularizada e carente de fundamentos sólidos que a justificassem naquele momento.
Ao diferenciar os casos, o grupo sinaliza que sua crítica não é uma defesa generalizada de políticos acusados de corrupção, mas sim uma defesa do devido processo legal e da necessidade de provas robustas. Onde avaliam que esses critérios foram cumpridos (caso Collor, segundo eles), apoiam a decisão judicial. Onde avaliam que houve abuso ou falta de provas (caso Temer, na visão deles), criticam.
“Separar o Joio do Trigo”: Uma Tentativa de Releitura do Legado
A metáfora utilizada por Carvalho – “separar o joio do trigo” – é central para entender a posição do grupo. Ela sugere uma tentativa de fazer uma releitura complexa do legado da Lava Jato:
- O Trigo: A parte legítima e necessária da operação, que teria sido a investigação e punição de casos de corrupção comprovada através de provas sólidas e respeito às garantias constitucionais. A condenação de Collor seria um exemplo desse “trigo”.
- O Joio: A parte considerada abusiva ou ilegal da operação, incluindo supostas violações processuais, uso político de investigações, prisões arbitrárias e condenações baseadas em evidências frágeis ou apenas em delações.
Nessa visão, reconhecer e validar os casos “trigo” (como o de Collor) seria importante até mesmo para fortalecer a crítica aos casos “joio”.
Rebatendo Narrativas: A Punição de Políticos é Possível?
Por fim, o Prerrogativas argumenta que a efetivação da prisão de Collor “esvazia a narrativa” daqueles que defendem a Lava Jato irrestritamente (“lavajatistas”) e que acusam o sistema de justiça, especialmente o STF, de ter deliberadamente “desmontado” a operação para garantir a impunidade da classe política.
A prisão de um ex-presidente da República, confirmada e determinada pelo próprio STF, serviria como prova de que, mesmo com as anulações de processos considerados viciados, o sistema ainda é capaz de investigar, julgar e punir políticos poderosos quando as acusações são consideradas consistentes e o processo legal é seguido.
Nuances em um Debate Polarizado
O apoio do Grupo Prerrogativas à prisão de Fernando Collor adiciona uma camada de nuance a um debate frequentemente polarizado sobre a Operação Lava Jato e seus desdobramentos. Ao defender a medida com base na solidez das provas e no respeito ao devido processo, o coletivo de advogados busca diferenciar este caso de outros que criticou no passado, propondo uma separação entre os resultados considerados legítimos e os supostos excessos da operação. Essa posição, vinda de um grupo marcadamente crítico aos métodos lavajatistas, desafia narrativas simplistas e complexifica a análise sobre o intrincado legado da maior operação anticorrupção da história do Brasil.