Apesar da demonstração de força ao protocolar um requerimento de urgência para o projeto de anistia aos condenados do 8 de janeiro, o Partido Liberal (PL), sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro, negou que esteja articulando uma manobra para pautar a votação durante a ausência do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Informações de bastidores indicam a existência de um acordo interno na cúpula da Casa que garante que o tema espinhoso só será tratado após o retorno de Motta de sua viagem ao exterior, previsto para depois do feriado de Páscoa. Esse entendimento, envolvendo o próprio presidente interino, Altineu Cortês – que é do PL –, freia a ofensiva imediata da oposição e sinaliza a estratégia que Motta deve adotar para lidar com a questão: um caminho mais longo, via comissão especial.
O Cenário: Pressão da Oposição, Presidente Ausente, Vice do PL no Comando
O contexto parecia, à primeira vista, favorável a uma manobra da oposição. Na segunda-feira (14), o PL, através de seu líder Sóstenes Cavalcante (RJ), protocolou o pedido de urgência para a anistia, munido de 262 assinaturas válidas (acima das 257 necessárias). Simultaneamente, Hugo Motta iniciava uma viagem internacional, deixando o comando interino da Câmara com o 1º vice-presidente, Altineu Cortês (PL-RJ).
Ter um membro do próprio partido na cadeira de presidente interino, mesmo que por poucos dias, poderia representar uma oportunidade única para o PL forçar a inclusão da urgência na pauta de votações do plenário, contornando a conhecida falta de consenso sobre o tema.
O “Acordo de Cavalheiros” que Freou a Manobra
No entanto, informações confirmadas por fontes da Câmara indicam que essa possibilidade foi neutralizada por um acordo prévio entre Motta e Cortês. O presidente interino teria se comprometido a pautar apenas matérias consensuais ou previamente combinadas com o titular durante sua ausência. O requerimento de urgência da anistia, por sua natureza divisiva e pela falta de acordo no Colégio de Líderes, não se enquadrava nesses critérios.
Essa dinâmica revela a complexidade das relações na Mesa Diretora e no jogo político, onde a lealdade institucional ou acordos de bastidores podem se sobrepor a interesses partidários imediatos. A comunicação prévia de Sóstenes Cavalcante a Motta sobre a intenção de protocolar a urgência também pode ser lida à luz desse acordo, talvez como uma forma de registrar a pressão publicamente, mas aceitando que o trâmite real seguiria outro ritmo.
Motta Ganha Tempo e Prepara Rota Alternativa: A Comissão Especial
Com a garantia de que a “bomba” da anistia não explodiria em sua ausência, Hugo Motta ganha tempo e tranquilidade para articular sua estratégia ao retornar. A tendência predominante, segundo relatos, é que ele não coloque o requerimento de urgência em votação no plenário.
Em vez disso, o caminho mais provável a ser seguido por Motta é encaminhar o projeto de lei da anistia para análise em uma comissão especial. Esta medida tem várias implicações:
- Desaceleração: Retira o projeto da via rápida do plenário e o submete a um processo mais longo de debates e análises em um colegiado específico.
- Ampliação do Debate: Permite a participação de deputados de diferentes espectros (direita e esquerda, governo e oposição) na discussão e na proposição de emendas.
- Potencial Diluição: Abre a possibilidade de o texto original ser significativamente alterado durante os trabalhos da comissão, talvez buscando um meio-termo ou esvaziando os pontos mais polêmicos.
Essa rota é frequentemente utilizada por presidentes da Câmara para lidar com propostas que não possuem consenso para votação direta, buscando construir um entendimento mínimo ou, em alguns casos, simplesmente adiar uma definição.
Apoio dos Líderes Consolida Estratégia de Motta
A decisão de Motta de optar pela comissão especial encontra respaldo na maioria dos líderes partidários, que, segundo informações, também se posicionam contra a votação imediata da urgência em plenário. Esse apoio do Colégio de Líderes é fundamental, pois legitima a decisão do presidente da Casa e dificulta a argumentação da oposição de que estaria havendo cerceamento. Reforça, também, a declaração pública de Motta sobre a necessidade de debater a pauta com os líderes.
Jogo Institucional Contém Ofensiva da Oposição (Por Ora)
A articulação nos bastidores da Câmara dos Deputados parece ter contido, ao menos temporariamente, a ofensiva do PL para acelerar a votação da anistia aos condenados do 8 de janeiro. O acordo entre Hugo Motta e o presidente interino Altineu Cortês (PL), somado à falta de consenso entre os líderes partidários, praticamente garante que o tema só voltará à tona após o retorno de Motta e, muito provavelmente, seguirá o caminho mais longo e incerto de uma comissão especial.
Enquanto a oposição cumpriu o papel de marcar posição e mobilizar sua base com o pedido de urgência, a presidência da Câmara, apoiada pela maioria dos líderes, recorre aos mecanismos regimentais e à negociação política para administrar um dos temas mais explosivos da atual legislatura, adiando uma definição que promete continuar gerando intensos debates.