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PEC da Segurança: Lewandowski Propõe ‘Organizar o Jogo’ em Meio a Desafios de Integração e Autonomia

Ministro da Justiça vê proposta como 'início da solução' para crise crônica, mas texto enfrenta debate sobre federalismo, eficácia real contra o crime e complexa tramitação no Congresso.

por Ifatos
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Em um país assolado por índices de criminalidade desafiadores e uma estrutura de segurança pública historicamente fragmentada, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, apresentou a mais recente aposta do governo federal para enfrentar o problema: uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

Em audiência no Senado nesta quarta-feira (9 de abril de 2025), Lewandowski buscou calibrar as expectativas, afirmando que a PEC é uma “tentativa de organizar o jogo“, mas longe de ser uma “bala de prata“. Para o ministro, ex-presidente do STF e conhecido por sua visão sistêmica, a mudança constitucional representa o “início da solução“, um esforço para colocar ordem no tabuleiro antes de “dar uma nova partida”. Mas será que essa reorganização estrutural é suficiente para alterar o placato adverso contra o crime organizado e a violência cotidiana?

O Diagnóstico por Trás da PEC: O Caos Estrutural da Segurança Brasileira

A metáfora de Lewandowski sobre “organizar o jogo” toca em um ponto nevrálgico: a profunda desarticulação das forças de segurança no Brasil. Atualmente, o cenário é marcado por:

  • Fragmentação: Polícias Militares (ostensivas estaduais), Polícias Civis (investigativas estaduais), Guardas Municipais (atuação local crescente, mas com status legal ambíguo), Polícia Federal (crimes federais, fronteiras), Polícia Rodoviária Federal (rodovias federais) e Polícias Penais (sistema prisional) operam frequentemente em silos, com pouca integração de inteligência e ação.
  • Conflitos de Competência: Disputas e sobreposições de atribuições geram ineficiência e, por vezes, antagonismo entre as corporações.
  • Desigualdade de Recursos: Disparidades imensas de investimento, tecnologia e treinamento entre os estados e entre as diferentes forças dentro de um mesmo estado.
  • Falta de Padronização: Ausência de protocolos e sistemas de informação unificados dificulta a análise criminal e a coordenação de operações em larga escala.

É neste contexto de “jogo desorganizado”, onde as peças muitas vezes atuam de forma descoordenada ou até antagônica, que a PEC busca intervir, propondo uma arquitetura constitucional mais coesa.

As Novas Regras do Jogo: Guardas Municipais e PRF Fortalecida

Dois pontos da PEC já divulgados exemplificam essa tentativa de reorganização:

  1. Inclusão das Guardas Municipais: A proposta eleva as Guardas Municipais ao rol constitucional dos órgãos de segurança pública (Art. 144 da CF). Isso representa uma vitória simbólica para essas corporações, mas abre um debate complexo sobre suas reais atribuições, limites de poder (podem investigar? realizar prisões em flagrante de forma rotineira?), necessidade de padronização de treinamento e, crucialmente, fontes de financiamento para sua qualificação e expansão.
  2. Ampliação das Competências da PRF: O texto expande a atuação da Polícia Rodoviária Federal para além das rodovias, incluindo ferrovias e hidrovias federais no seu escopo de policiamento ostensivo. Essa medida pode responder a desafios crescentes como o roubo de cargas em trens ou o tráfico em hidrovias estratégicas, mas também levanta questões sobre a capacitação da PRF para esses novos ambientes e a potencial sobreposição com atribuições da Polícia Federal ou de forças estaduais em áreas de fronteira fluvial, por exemplo.

O Nó Federativo: O Equilíbrio Delicado entre Integração e Autonomia

Talvez o ponto mais sensível da proposta seja o eterno dilema federativo brasileiro. A segurança pública é, constitucionalmente, uma responsabilidade primária dos estados. Críticos da PEC, especialmente na oposição, temem que a busca por maior integração e coordenação nacional – liderada pelo governo federal – possa ferir a autonomia dos governadores e prefeitos na definição de suas políticas locais de segurança, adaptadas às suas realidades específicas.

Lewandowski contrapõe esse argumento afirmando que o texto foi debatido com os governadores e que não há intenção de usurpar competências. Ele defende que a PEC estabelece princípios gerais e abstratos, necessitando de legislação complementar. No entanto, a linha entre coordenação necessária e intervenção federal indesejada é tênue. A implementação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), criado por lei em 2018 com objetivos semelhantes de integração, já enfrenta dificuldades práticas e resistências. A PEC pode dar um novo arcabouço constitucional ao SUSP, mas o desafio de fazer o federalismo cooperativo funcionar na segurança pública persistirá.

A Travessia no Congresso: O Jogo Político da Aprovação

A apresentação da proposta ao presidente da Câmara, Hugo Motta, e a líderes partidários marca o início da batalha política. A declaração de Motta sobre haver “convergência” na necessidade de debater o tema é um sinal positivo, mas protocolar. A verdadeira negociação ocorrerá durante a tramitação.

A PEC enfrentará a análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida por Paulo Azi (União-BA), depois uma comissão especial, e exigirá aprovação em dois turnos por maioria qualificada (três quintos) na Câmara e no Senado. Interesses corporativos das diferentes polícias, disputas regionais por recursos, o debate sobre autonomia federativa e o próprio cálculo político de apoiar ou não uma iniciativa do governo Lula serão fatores determinantes. A aprovação está longe de ser garantida e o texto final pode ser significativamente alterado.

Além da Emenda: A Solução que Começa, Mas Não Termina na PEC

Lewandowski foi honesto ao afirmar que a PEC é apenas o “início da solução” e não uma “bala de prata”. A mudança constitucional pode criar uma estrutura mais lógica e integrada, mas a criminalidade é um fenômeno complexo com raízes profundas. A eficácia de qualquer reforma na segurança depende de ações complementares que a PEC não aborda diretamente:

  • Investimento em inteligência e tecnologia.
  • Reforma do sistema prisional e políticas de ressocialização.
  • Agilidade e eficiência do sistema de Justiça Criminal.
  • Políticas sociais robustas para atacar as causas da violência (desigualdade, falta de oportunidades, educação).
  • Legislação específica para regulamentar os detalhes da integração proposta.

Sem esses elementos, a “organização do jogo” proposta pela PEC corre o risco de ser apenas uma mudança de regras em um tabuleiro onde os problemas fundamentais permanecem intocados.

Conclusão: Um Lance Estrutural em um Jogo Complexo

A PEC da Segurança representa um esforço ambicioso e necessário para repensar a arquitetura institucional da segurança pública no Brasil. A visão de Ricardo Lewandowski de “organizar o jogo” reflete um diagnóstico correto sobre a fragmentação atual. Contudo, o caminho entre a proposta e a transformação real da segurança no cotidiano do cidadão é longo e árduo.

A proposta enfrentará não apenas os desafios políticos da aprovação no Congresso, mas também a complexa negociação federativa e a necessidade premente de políticas complementares. A PEC pode ser, de fato, o “início da solução”, mas seu sucesso dependerá da capacidade do Estado brasileiro, em todas as suas esferas, de ir além da mudança constitucional e promover uma integração genuína e ações eficazes contra as múltiplas faces da criminalidade.

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