Mapeamento detalhado de indicações políticas visa quantificar apoio legislativo versus espaço na máquina federal; Análise de ‘custo-benefício’ de aliados como PP e União Brasil será baseada em dados, elevando poder de barganha do Planalto.
O Palácio do Planalto se prepara para ir além das tradicionais negociações de varejo na sua relação com o Congresso Nacional. A intenção de realizar um “pente-fino” nos cargos federais preenchidos por indicações de deputados e senadores, prevista para maio, tem como objetivo principal a criação de uma ferramenta poderosa e inédita na articulação política: um “mapa de indicações” detalhado. Este mapa, segundo fontes do governo, não será apenas um organograma do loteamento da máquina pública, mas sim um instrumento estratégico para quantificar a relação entre o espaço ocupado por cada partido/parlamentar e a lealdade demonstrada em votações, municiando a equipe de Lula com dados concretos para pressionar por apoio a pautas prioritárias, como a reforma do Imposto de Renda e a PEC da Segurança Pública. O mapa de indicações do governo Lula sinaliza uma tentativa de tornar mais explícita e gerenciável a complexa equação do presidencialismo de coalizão.
A Ferramenta em Detalhes: Radiografando a Base Aliada na Máquina
Diferente do conhecimento muitas vezes informal e fragmentado sobre quem indicou quem para qual diretoria ou secretaria, o “mapa” que o Planalto pretende construir visa ser uma base de dados consolidada e abrangente. Espera-se que contenha informações como:
- O Cargo: Posição específica, órgão/ministério vinculado, nível hierárquico e, possivelmente, relevância orçamentária ou política.
- O Indicado: Nome da pessoa que ocupa o cargo.
- O(s) Padrinho(s): Deputado(s) e/ou senador(es) responsáveis pela indicação.
- O Partido: Sigla do(s) parlamentar(es) que indicou/indicaram.
- O Histórico de Votos: Um registro (ou score) da adesão do parlamentar/partido às orientações do governo em votações consideradas chave.
Ter essa “radiografia” da ocupação da máquina federal pela base aliada (e até por setores da oposição, como mencionado no caso dos signatários da anistia) confere ao núcleo do governo uma visão integrada e detalhada do “custo” político de cada aliança.
Da Barganha Intuitiva à Negociação Baseada em Dados?
Tradicionalmente, a distribuição de cargos no presidencialismo de coalizão brasileiro envolve uma complexa mistura de fatores: tamanho da bancada, acordos históricos, relações pessoais, pressões regionais e, claro, a expectativa de apoio legislativo. No entanto, a mensuração do “retorno” desse apoio muitas vezes é subjetiva.
O “mapa de indicações” promete mudar essa dinâmica, permitindo à articulação política do governo (liderada por ministros como os da Casa Civil e Relações Institucionais) abordar as negociações de forma mais assertiva e quantificada. O diálogo com um partido ou parlamentar poderia, hipoteticamente, incluir argumentos como: “Sua bancada detém X cargos estratégicos que custam Y ao orçamento, mas seu índice de fidelidade em votações cruciais foi de apenas Z%. Precisamos melhorar essa equação para mantermos a parceria nesses termos.” Isso eleva consideravelmente o poder de barganha e pressão do Executivo.
Calibrando o ‘ROI’ Político: PP e União Brasil Como Laboratório
Não é coincidência que PP e União Brasil sejam apontados nos bastidores como os alvos primários do “pente-fino”. São partidos grandes, com presença significativa na Esplanada dos Ministérios e em outros escalões, mas conhecidos por suas divisões internas e por frequentemente votarem contra o governo em pautas importantes (o chamado “índice de infidelidade” alto).
O mapa permitirá ao Planalto calcular de forma mais precisa o “Retorno sobre Investimento” (ROI) político dessas alianças. Se o custo (em termos de cargos e poder cedido) for considerado muito alto para o benefício (votos efetivamente entregues), o governo terá dados concretos para justificar uma renegociação da participação desses partidos ou, em última instância, a substituição de indicados por nomes mais alinhados ou por aliados de partidos mais fiéis.
Expondo Desequilíbrios: A Situação do Centrão Leal
O mapa também servirá para expor o outro lado da moeda: a situação de parlamentares e partidos do Centrão que, apesar de demonstrarem compromisso consistente com as votações de interesse do governo, supostamente não foram contemplados com um espaço proporcional na máquina federal.
Essa informação pode ser usada pelo Planalto para justificar uma redistribuição de cargos, retirando posições de aliados “infiéis” e alocando-as para os “leais”, buscando assim fortalecer um núcleo mais coeso e confiável dentro da ampla e muitas vezes instável base governista.
Governança em Risco? O Dilema entre Lealdade e Mérito
A implementação dessa “tecnologia do poder” baseada no mapa de indicações reacende o debate sobre os critérios de nomeação para cargos públicos. Ao tornar explícita e quantificável a relação entre cargos e votos, o governo corre o risco de reforçar a lógica puramente política em detrimento de critérios técnicos e de mérito na ocupação de funções importantes na administração federal?
Qual o impacto na eficiência da gestão e na implementação de políticas públicas se diretores de autarquias ou secretários ministeriais estiverem sob constante ameaça de exoneração baseada no comportamento da bancada que os indicou, e não em seu desempenho técnico? Essa é uma tensão inerente ao sistema que o “pente-fino” pode exacerbar.
O ‘Big Data’ da Coalizão e o Futuro da Governabilidade
O planejado “pente-fino” do governo Lula e a consequente criação do “mapa de indicações” podem representar uma evolução significativa – e potencialmente controversa – na forma como o presidencialismo de coalizão é gerenciado no Brasil. Ao buscar quantificar a lealdade e vinculá-la diretamente à distribuição de poder na máquina federal, o Planalto forja uma ferramenta poderosa de negociação e pressão.