A temperatura política na Câmara dos Deputados subiu nesta semana em torno da delicada questão da anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023. Enquanto a oposição, capitaneada pelo PL, formalizou um requerimento de urgência para acelerar a tramitação do projeto, o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), adotou um tom de cautela e pregou a necessidade de amplo debate entre os líderes partidários. A declaração de Motta, feita via redes sociais nesta terça-feira (15 de abril de 2025) enquanto ele está em viagem ao exterior, sinaliza os desafios e a falta de consenso que cercam a proposta, apesar da pressão crescente da ala bolsonarista para que a urgência da anistia seja pautada rapidamente.
A Mensagem de Motta: Defesa do Rito ou Adiamento Estratégico?
Em sua publicação no X (antigo Twitter), Hugo Motta não mencionou diretamente o projeto de anistia, mas o recado foi claro. Ao afirmar que “Democracia é discutir com o Colégio de Líderes as pautas que devem avançar” e que “ninguém tem o direito de decidir nada sozinho”, ele invoca o princípio da colegialidade e da negociação partidária como pré-requisitos para a definição da agenda legislativa.
Motta também enfatizou a “responsabilidade com o cargo”, ponderando sobre o impacto de cada pauta “para as instituições e para toda a população brasileira”. Essa linguagem pode ser interpretada como:
- Uma defesa do processo legislativo regular, resistindo à pressão por um trâmite acelerado em um tema fraturante.
- Um sinal de que, pessoalmente ou por falta de apoio majoritário entre os líderes, ele não está inclinado a pautar a urgência neste momento.
- Uma estratégia para ganhar tempo, especialmente considerando sua ausência de Brasília e a proximidade do feriado de Páscoa (20 de abril), que esvazia o Congresso.
A Ofensiva da Oposição: A Força das Assinaturas e a Pressão Pública
Do outro lado do espectro político, a oposição não está parada. Na segunda-feira (14), o líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), protocolou oficialmente o requerimento de urgência para o projeto de anistia. Este mecanismo regimental, se aprovado em plenário, permite que o projeto seja votado diretamente, sem passar pelas comissões temáticas, acelerando drasticamente sua análise.
Para protocolar o pedido, eram necessárias 257 assinaturas de deputados; a oposição conseguiu 262 apoios válidos (de 264 iniciais, com 2 invalidadas). Embora o número não represente uma maioria esmagadora, ele demonstra a capacidade de mobilização do PL e de seus aliados e serve como instrumento de pressão política sobre Motta. O líder da oposição, deputado Zucco (PL-RS), já expressou publicamente a expectativa de que o requerimento seja votado na próxima semana.
O Obstáculo Central: A Profunda Divisão sobre a Anistia
A principal barreira para o avanço da proposta, no entanto, não é apenas regimental ou dependente da vontade de Motta, mas sim política. O projeto de anistia para os condenados pelos atos que depredaram as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 é altamente controverso e não possui consenso nem mesmo entre os líderes partidários que compõem o Colégio de Líderes – órgão fundamental na definição da pauta.
Enquanto o PL e a ala mais fiel ao ex-presidente Jair Bolsonaro defendem a medida como um ato de pacificação ou justiça contra supostos excessos do Judiciário, partidos da base governista e até mesmo setores do centro rechaçam a ideia, considerando-a uma tentativa de garantir impunidade para atos graves contra a democracia. Essa divisão profunda torna improvável um acordo amplo no Colégio de Líderes, dando a Motta o argumento (ou a justificativa) para não pautar a matéria.
O Poder da Pauta: Motta como Guardião (ou Obstáculo?)
A prerrogativa de definir o que será votado no plenário da Câmara (a “pauta”) é uma das ferramentas mais poderosas do presidente da Casa. Hugo Motta, portanto, detém a chave para o avanço ou o bloqueio da discussão sobre a urgência da anistia.
Sua posição é delicada. Ceder à pressão do PL pode agradar uma bancada numerosa e influente, mas arrisca gerar uma crise institucional com o Judiciário e com outros partidos da Câmara. Resistir à pressão pode fortalecer sua imagem como defensor da institucionalidade e do diálogo, mas o colocará em rota de colisão direta com o bolsonarismo. Sua ausência temporária do país lhe dá um breve respiro, mas a decisão terá que ser enfrentada em seu retorno.
Teste de Força e Articulação na Câmara
A batalha em torno da urgência para o projeto de anistia do 8 de janeiro se configura como um importante teste de força política na Câmara dos Deputados. A oposição demonstrou capacidade de mobilização ao reunir as assinaturas necessárias, mas enfrenta a falta de consenso sobre o mérito da proposta e a resistência (implícita) do presidente da Casa em pautar um tema tão divisivo sem um acordo prévio entre os líderes.
Hugo Motta, por sua vez, utiliza a prerrogativa do cargo e o discurso da responsabilidade e do diálogo colegiado para navegar nesta pressão. As próximas semanas, com seu retorno a Brasília, serão cruciais para definir se a ofensiva da oposição terá sucesso em furar o bloqueio ou se a falta de consenso manterá a controversa anistia longe do plenário.