Pela primeira vez desde que voltou à presidência em 2023, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) optou por não participar presencialmente dos atos do 1º de Maio, Dia Internacional do Trabalhador.
Em vez disso, o presidente gravou um vídeo — exibido nesta quarta-feira (1º) — direcionado às centrais sindicais e aos trabalhadores de todo o país, com um recado claro: os sindicatos precisam se reinventar para continuar representando a classe trabalhadora no século XXI.
“As pautas precisam ser novas. O movimento sindical precisa falar com a juventude, com quem está no Uber, no iFood, na Amazon. Precisa estar onde os jovens estão, inclusive nas redes sociais”, afirmou Lula no vídeo, conforme fontes próximas à Secretaria-Geral da Presidência.
Por que Lula não foi: precaução política e sinais internos
Embora tenha recebido apelos de diversas lideranças sindicais para comparecer a um dos atos — em São Paulo ou em São Bernardo do Campo —, Lula optou por enviar como representantes os ministros Márcio Macedo (Secretaria-Geral) e Luiz Marinho (Trabalho).
A decisão foi estratégica. Segundo aliados, o presidente evitou se associar a um ato com potencial de esvaziamento, como ocorreu em 2024, quando criticou publicamente o ministro responsável pela mobilização dos movimentos sociais.
Além disso, dois atos estavam previstos para ocorrer simultaneamente, o que aumentava o risco de divisão e ruído entre as centrais.
Nos bastidores do Planalto, a ausência foi interpretada como uma forma de preservar sua imagem e capital político, evitando exposição em um momento de alta fragmentação na base social organizada do governo.
Um 1º de Maio em crise: baixa mobilização e sindicatos enfraquecidos
O esvaziamento dos atos do Dia do Trabalhador não é um fenômeno novo. Dados do Dieese e levantamentos internos da CUT mostram que, nos últimos dez anos, a participação média em eventos públicos de 1º de Maio caiu mais de 60% nas capitais brasileiras.
Vários fatores explicam esse declínio:
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O fim da contribuição sindical obrigatória com a reforma trabalhista de 2017;
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O avanço da informalidade e da pejotização, que hoje afeta quase 40% da força de trabalho;
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O surgimento de novas formas de vínculo, como trabalhadores de aplicativos, que não se identificam com estruturas tradicionais;
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A ausência de comunicação eficaz nas redes sociais, especialmente entre jovens trabalhadores.
Segundo o IBGE, em 2025, o número de sindicalizados no Brasil é o menor desde 1992, quando a série histórica começou a ser monitorada.
O conteúdo do vídeo: diálogo e cobrança
Durante a reunião prévia com os sindicalistas, realizada no dia 29, Lula ouviu por quase três horas as reivindicações das centrais, que incluíram:
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Redução da jornada semanal de 44 para 40 horas;
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Fim da escala 6×1 (seis dias trabalhados por um de descanso);
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Regulação do trabalho por aplicativo;
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Valorização real do salário mínimo com base em produtividade.
No vídeo exibido no evento desta quarta, Lula se disse simpático a pautas como a redução da jornada de trabalho, mas foi enfático em afirmar que não basta apresentar demandas — é preciso ampliar a capacidade de mobilização e articulação da base.
“Se o sindicato não fala com quem está fora da fábrica, perde força. É preciso disputar o trabalhador do celular, o da bike, o da tela. Senão, quem fala por ele são os algoritmos — ou o patrão”, declarou.
A fala é coerente com movimentos anteriores do presidente, que vem reiteradamente cobrando maior presença digital das centrais sindicais e criticando a dependência de eventos presenciais e palanques estáticos como estratégia de mobilização.
Estratégia dupla: apoio institucional + pressão por renovação
A relação de Lula com o movimento sindical sempre foi simbiótica. Ele próprio emergiu como liderança nacional a partir das greves do ABC nos anos 1980, fundou a CUT e sempre manteve diálogo com entidades da classe trabalhadora.
No entanto, como presidente, ele também precisou — e segue precisando — equilibrar apoio político com exigências de modernização.
Na prática, o governo tem atendido parcialmente às pautas das centrais:
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Reajustou o salário mínimo com ganho real pela segunda vez consecutiva (R$ 1.502 em 2025);
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Ampliou o acesso a crédito para MEIs e autônomos;
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Criou grupos de trabalho sobre a regulação de plataformas digitais.
Por outro lado, reformas estruturais como a regulamentação do trabalho via apps e a flexibilização da jornada estão travadas no Congresso, e o governo evita confrontos com setores empresariais.
Fragmentação sindical e impasse geracional
Além da perda de capilaridade, o sindicalismo enfrenta um impasse geracional.
Boa parte das lideranças nacionais está no cargo há mais de 15 anos, e há pouca renovação nas bases, o que dificulta o diálogo com jovens e trabalhadores informais.
A presença de dois atos separados — um em São Paulo, liderado pela Força Sindical, e outro em São Bernardo, reduto histórico da CUT — evidencia divisões internas e dificuldades de construir pautas unificadas.
Para especialistas, o vídeo de Lula é um recado não apenas político, mas institucional: o sindicalismo brasileiro precisa reconstruir pontes com a sociedade, reformular seu vocabulário e ocupar espaços digitais com inteligência, agilidade e empatia.
Um presidente presente — mesmo à distância
A decisão de Lula de não comparecer pessoalmente ao ato do 1º de Maio de 2025 foi, em última instância, um gesto de cobrança e estratégia.
Ele não se ausentou: mudou o formato da presença, transferindo a solenidade do palanque para o vídeo, e transformando a homenagem ao trabalhador em um alerta sobre os desafios do século XXI.
Num cenário em que trabalhadores se multiplicam fora dos modelos clássicos, sindicatos precisam mais do que bandeiras vermelhas e carros de som: precisam algoritmos, microfones digitais, campanhas virais e narrativas que representem o novo mundo do trabalho.
Lula, com sua longa trajetória de luta, sabe disso. E, agora, cobra que seus aliados façam o mesmo.