Ao tomar conhecimento do gigantesco esquema de “descontos associativos” que drenou milhões dos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva orientou, nesta segunda-feira (28), que a Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) conduzam as investigações com rigor absoluto, mas sempre respeitando o direito de defesa dos envolvidos. Paralelamente, Lula determinou a exoneração imediata do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e do procurador-geral do órgão, Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho, afastados cautelarmente pela PF na operação batizada de “Sem Desconto”.
“Ele pediu que sejamos implacáveis com quem cometeu crime, mas garantamos o respeito às pessoas e ao devido processo legal”, afirmou o diretor-geral da PF, durante coletiva convocada a pedido do Palácio do Planalto.
Como funcionava o esquema de descontos irregulares
Desde 2019, aposentados e pensionistas do INSS podiam consignar automaticamente, em seus benefícios, mensalidades de associações conveniadas. Em tese, a medida favorecia o acesso a serviços de saúde e assistência jurídica. Contudo, relatório preliminar da CGU estimou em R$ 6,3 bilhões o montante debitado de forma indevida entre 2019 e 2024. Desse total, a Universo Associação teria obtido R$ 81 milhões no primeiro trimestre de 2024, e a Apdap Prev R$ 76,8 milhões, segundo dados internos. Além disso, 98 % dos entrevistados não reconheciam nenhuma solicitação de adesão, e quase 40 000 beneficiários pediram exclusão dos débitos.
Essas fraudes se apoiavam em convênios firmados entre o INSS e entidades de aposentados — algumas criadas unicamente para explorar cobranças irregulares. A autorização legal para descontos em folha existe desde 1991, mas carecia de controle digital e validação individual, o que abriu brecha para falsificação de autorizações e falta de auditoria.
Operação “Sem Desconto”: alvos e impactos iniciais
Em dezembro de 2024, a CGU encaminhou à PF indícios de esquema massivo. No dia 23 de janeiro de 2025, a Polícia Federal deflagrou a Operação Sem Desconto, cumprindo mandados de busca e apreensão em seis estados, incluindo Brasília, São Paulo, Minas Gerais e Alagoas. Entre os alvos, estavam:
-
Sindnapi/FS (Sindicato Nacional dos Aposentados e Pensionistas), presidido por Frederico Siqueira Filho — irmão do presidente Lula —, que teria recebido R$ 77,1 milhões em contribuições no último ano.
-
Universo Associação e Apdap Prev, principais destinatárias dos valores suspeitos.
-
Executivos do INSS: o procurador-geral Virgílio Ribeiro de Oliveira Filho e o presidente Alessandro Stefanutto foram afastados cautelarmente. Outros diretores foram exonerados por decisão judicial.
A PF calcula que o prejuízo acumulado pode ultrapassar R$ 7 bilhões ao fim das diligências. Em razão do impacto imediato, o INSS suspendeu provisoriamente todos os convênios com entidades sob investigação.
Reação do Planalto e demissões-relâmpago
Assim que recebeu os relatórios da PF e da CGU, Lula convocou o ministro da Previdência, Carlos Lupi, para exonerar Stefanutto. O afastamento ocorreu em menos de 24 horas — movimento que sinalizou tolerância zero a irregularidades. O governo também manteve Lupi no cargo, afirmando que ele não figura como investigado e que “não se antecipará a conclusões” até que as apurações se aprofundem.
Ministros e auxiliares avaliam que Lupi deverá prestar esclarecimentos ao Congresso, mostrando como o INSS atuará para impedir novas fraudes. Enquanto isso, Lula autorizou a CGU a ampliar auditorias em todos os convênios vigentes e garantiu à PF recursos extras para periciar documentos e sistemas telemáticos.
Cronologia dos principais eventos
Data | Evento |
---|---|
Jun/2024 | CGU identifica aumento suspeito de descontos e encaminha relatório à PF |
23/01/2025 | PF deflagra Operação Sem Desconto em 6 estados |
24/01/2025 | Stefanutto e procurador-geral do INSS são afastados por decisão judicial |
28/04/2025 | Lula pede rigor à PF e CGU e exonera Stefanutto |
Maio/2025 | Início de canais especiais de atendimento a beneficiários afetados |
Essa sequência demonstra a celeridade na resposta governamental após a revelação do esquema, embora críticos cobrem medidas preventivas mais sólidas.
Consequências para milhões de beneficiários
Com a suspensão dos convênios investigados, o INSS estimou que pelo menos 1,2 milhão de segurados terão seus descontos estornados até o fim de maio. Para agilizar a devolução de valores, o governo criou:
-
Canal exclusivo de autoatendimento no Meu INSS, permitindo registro e acompanhamento de pedidos de exclusão.
-
Plataforma de restituição bancária, com prazo máximo de 30 dias para compensação direta na conta do beneficiário.
-
Força-tarefa de apoio jurídico para orientar aposentados sobre direitos e procedimentos, em parceria com Defensorias Públicas estaduais.
Analistas apontam que essas iniciativas podem reduzir em até 70 % o volume de ações judiciais, minimizando custos ao erário e a demora no Judiciário.
Desafios de governança e reformulações propostas
O escândalo escancarou fragilidades na governança do INSS. Por isso, o governo e técnicos da CGU discutem:
-
Integração de sistemas: unificar bases de dados de convênios, evitando divergência de registros.
-
Validação eletrônica: uso de assinatura digital e autenticação biométrica para adesões.
-
Auditorias periódicas: amostragem automática com alertas de aumento atípico de cobranças.
-
Transparência ativa: publicização trimestral de relatórios sobre valores descontados e percentuais de autorização.
-
Controle descentralizado: criação de comitê interministerial para supervisionar contratos de consignação.
Implementar essas mudanças depende de Orçamento e de apoio legislativo para alterar portarias e, possivelmente, a Lei de Execução Previdenciária.
Repercussões políticas e opinião pública
No Congresso, o episódio motivou:
-
Audiências na Comissão de Fiscalização: convites a ex-presidentes do INSS, técnicos da CGU e representantes da PF.
-
Projeto de lei no Senado para criminalizar especificamente a fraude em descontos associativos, com penas de até 8 anos de reclusão.
-
Debates no plenário: oposição critica omissão inicial, enquanto base aliada ressalta rapidez na exoneração de Stefanutto.
Nas redes sociais, o assunto escalou em #ForaFraudeINSS e #GovernançaJá, refletindo a indignação de aposentados e a cobrança de responsabilização criminal dos envolvidos.
Lições e caminhos para o futuro
O caso INSS reforça a necessidade de:
-
Equilíbrio entre automação e controle humano, para prevenir fraudes sem burocratizar o acesso a benefícios.
-
Capacitação contínua de servidores em compliance e auditoria.
-
Participação social, permitindo que sindicatos e conselhos de beneficiários fiscalizem convênios.
-
Colaboração internacional, trocando experiências com países que adotam monitoramento em tempo real, como Canadá e Austrália.
Tais medidas podem transformar o episódio em marco positivo de modernização da previdência social brasileira.
Da reação à prevenção
Ao pedir rigor à PF e à CGU, Lula sinaliza compromisso com a integridade do sistema e com a dignidade do beneficiário. Exonerar executivos e acelerar canais de restituição são passos iniciais, mas a salvaguarda definitiva dependerá de reformas estruturais. O desafio é converter a crise em oportunidade de fortalecer controles, garantindo que o INSS não volte a se tornar terreno fértil para fraudes bilionárias — e que milhões de aposentados recebam, de fato, o que é seu por direito.