Na tarde de quarta-feira (9), a capital federal testemunhou mais um capítulo do intrincado tabuleiro político brasileiro.
Em um encontro reservado, mas politicamente simbólico, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) reuniu-se com o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), para tratar de um tema explosivo: a anistia aos detidos e condenados pelos atos de vandalismo cometidos no fatídico 8 de janeiro de 2023 — episódio que marcou profundamente a democracia brasileira.
Embora tratado com discrição pelas assessorias dos envolvidos, o encontro foi confirmado e, segundo fontes próximas, teve um único objetivo: convencer Motta a pautar com urgência o projeto de anistia que vem sendo articulado pelo Partido Liberal (PL). A proposta, no entanto, esbarra em obstáculos mais complexos do que a simples coleta de assinaturas.
🔍 Um projeto que divide até dentro da direita
O projeto de lei em questão busca anistiar os participantes dos ataques às sedes dos Três Poderes — ação que resultou em prisões em massa, condenações no Supremo Tribunal Federal e feridas abertas no debate público sobre os limites da liberdade de manifestação.
Bolsonaro, afastado institucionalmente, mas ainda ativo nos bastidores, tem investido energia política para mobilizar sua base na Câmara. De acordo com o PL, o texto já conta com 246 assinaturas de parlamentares — número próximo das 257 necessárias para que a proposta possa ir direto ao plenário, sem passar pelas comissões. Porém, mesmo com o apoio técnico, falta o aval político.
Hugo Motta, apesar da pressão, tem adotado uma postura de cautela. Segundo relatos, o presidente da Câmara ainda não se convenceu da viabilidade de pautar o texto em plenário sem antes construir uma base de apoio mais ampla, incluindo membros da oposição moderada, líderes governistas e até integrantes do STF.
🧰 Entre a articulação e o impasse institucional
A hesitação de Motta reflete o receio de que o projeto, se mal calibrado, transforme o Congresso em palco de uma nova polarização. Além disso, ele teria sinalizado a possibilidade de encaminhar o texto para uma comissão especial — o que, na prática, empurra a discussão para um prazo indefinido e retira o tema do calor do plenário.
Mais do que uma estratégia legislativa, o gesto aponta para a tentativa de construir uma “costura institucional”. Motta teria sugerido conversar com o Senado, o Executivo e o próprio Supremo Tribunal Federal antes de permitir qualquer avanço, indicando que o debate sobre anistia não será tratado como tema partidário, mas sim como um divisor de águas na condução da governabilidade e da pacificação nacional.
📞 Ligações, bastidores e confiança pública
A reunião desta quarta-feira foi precedida por ligações diretas entre Bolsonaro e Hugo Motta. Segundo aliados do ex-presidente, o objetivo das chamadas era “destravar” o que estaria emperrando a tramitação do projeto — e entender se havia uma resistência técnica, jurídica ou política.
Durante participação em um podcast na noite anterior, Bolsonaro demonstrou otimismo e relembrou promessas feitas por Motta durante a campanha à presidência da Câmara. “Ele sempre disse que atenderia a maioria dos líderes se houvesse consenso. Se conseguirmos as assinaturas, ele vai colocar em votação, disso tenho certeza”, afirmou.
A frase, embora em tom de confiança, carrega também um aviso: se o compromisso não for honrado, a base bolsonarista pode usar isso como munição política, criando mais uma linha de atrito institucional dentro da Câmara.
⚖️ O dilema da anistia: conciliação ou afronta?
Nos bastidores do Congresso, a proposta de anistia divide opiniões. Parlamentares mais à direita veem no projeto uma oportunidade de redimir seus apoiadores e pacificar a militância. Já deputados de centro e esquerda apontam para o risco de passar a mensagem de impunidade e esvaziar o trabalho do Judiciário.
Para analistas políticos, o debate sobre a anistia vai além do mérito jurídico: ele coloca em xeque a relação entre os Poderes, o papel do Congresso como mediador institucional e a capacidade do sistema democrático de lidar com seus próprios traumas.
📊 O que está em jogo?
A discussão em torno da anistia serve como termômetro para três grandes dilemas que o Brasil enfrenta:
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A reconstrução da confiança institucional após os ataques de 8 de janeiro;
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A disputa pela narrativa sobre o que foi aquele dia — golpe frustrado ou protesto legítimo?;
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O futuro da direita brasileira, que tenta reorganizar-se politicamente sob a sombra do bolsonarismo.