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Anistia para o 8/Jan Revive Fantasmas de 1979: O Risco da Impunidade e a Disputa Sobre a Definição de ‘Crime Político’

Enquanto PL busca perdão para ataques à democracia, história da lei que anistiou torturadores da ditadura serve como alerta; Debate crucial questiona limites do perdão e classificação de atos contra o Estado Democrático de Direito.

por Ifatos
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A ofensiva do Partido Liberal (PL) na Câmara dos Deputados para acelerar a votação de um projeto de anistia para os condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023 não é apenas uma manobra política do presente; ela remexe em camadas profundas e dolorosas da história brasileira, evocando inevitavelmente os fantasmas da Lei da Anistia de 1979. Embora ambas as propostas tratem do instituto do perdão político, uma análise comparativa revela diferenças abissais de contexto e levanta questões cruciais sobre a natureza dos crimes envolvidos, a própria definição do que constitui um “crime político” e, talvez o mais importante, o perigoso legado que a impunidade pode deixar para a saúde da democracia. A comparação entre a anistia de 1979 e a proposta para 2025 é um exercício vital para entender as armadilhas do presente.

O Impulso Atual: Perdão Amplo para Atos Contra a Democracia

Primeiro, o cenário atual: o PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, protocolou um requerimento de urgência (com 262 assinaturas válidas) para um projeto de lei (original do ex-deputado Major Vitor Hugo) que concede uma anistia abrangente. O texto perdoa crimes “políticos ou eleitorais” cometidos por manifestantes, caminhoneiros, empresários e qualquer pessoa envolvida em atos desde as eleições de 2022 até a eventual sanção da lei, incluindo financiadores, organizadores e até apoiadores em redes sociais.

Os crimes específicos pelos quais indivíduos foram condenados pelo STF incluem associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. A proposta busca, na prática, apagar a responsabilidade penal por atos que foram judicialmente classificados como ataques diretos às instituições democráticas. Politicamente, há ainda a intenção (não explícita no texto, mas clara na estratégia da oposição) de criar um ambiente favorável para reverter a inelegibilidade de Bolsonaro.

O Que é (e o Que Não é) Anistiável? A Disputa de Narrativas

Aqui reside a primeira grande tensão. A anistia, prevista no Código Penal, extingue a punibilidade de crimes, geralmente de natureza política. Contudo, a Constituição de 1988 é clara ao vedar anistia para crimes hediondos, tortura e terrorismo. A classificação exata dos atos de 8 de Janeiro e se algum deles se enquadraria nessas exceções (especialmente a tentativa de golpe ou abolição violenta do Estado de Direito, que poderiam tangenciar o terrorismo dependendo da interpretação) é um debate jurídico complexo.

Mais fundamentalmente, há uma disputa de narrativas: a oposição tenta enquadrar os atos como “políticos” ou “eleitorais”, frutos de manifestação e descontentamento. Já o Judiciário e grande parte da sociedade os veem como crimes comuns graves cometidos com motivação política, mas cujo alvo era a própria democracia. A questão crucial que o debate da anistia força é: pode um ataque direto às instituições democráticas ser considerado um “crime político” passível de perdão nos mesmos termos que, por exemplo, a oposição a um regime autoritário?

A Lição Amarga de 1979: Anistia, “Crimes Conexos” e a Impunidade dos Torturadores

Para entender os riscos, a Lei da Anistia de 1979 (Lei nº 6.683) oferece um estudo de caso contundente, embora em um contexto histórico radicalmente diferente – o ocaso da ditadura militar (1964-1985). Sancionada por João Baptista Figueiredo como parte da “abertura lenta, gradual e segura”, a lei foi um marco na redemocratização, permitindo a volta de exilados e a libertação de muitos presos políticos.

Contudo, ela nasceu com duas máculas profundas:

  1. Exclusão Inicial: Não concedeu perdão imediato aos condenados por “terrorismo” (a luta armada contra o regime), gerando protestos e greves de fome (essas pessoas seriam soltas posteriormente por outros mecanismos).
  2. Inclusão Nefasta: Através da fórmula vaga dos “crimes conexos” (“crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”), a lei estendeu a anistia aos agentes do Estado que cometeram graves violações de direitos humanos, incluindo tortura, assassinatos e desaparecimentos forçados. Todas as tentativas da oposição (MDB) de excluir esses crimes do perdão foram barradas pela maioria governista (Arena) no Congresso.

O resultado foi a institucionalização da impunidade para os crimes da ditadura. Os responsáveis pelos atos de terrorismo de Estado nunca foram responsabilizados criminalmente no Brasil, uma ferida que marca a transição democrática brasileira e a diferencia de processos em outros países da região.

Comparando os ‘Perdoados’ e as Motivações

A comparação entre os grupos beneficiados e os objetivos políticos é reveladora:

  • Anistiados de 1979: Primariamente, opositores (de diversas matizes) de um regime autoritário. Secundariamente (e problematicamente), os próprios agentes desse regime. O objetivo militar era controlar a transição e evitar retaliações futuras contra si.
  • Anistiados de 2025 (proposta): Pessoas que atentaram contra um regime democrático estabelecido, buscando sua ruptura. O objetivo da oposição atual é proteger sua base e, potencialmente, seu líder maior.

A diferença fundamental reside na relação dos atos com o regime vigente: em 1979, perdoavam-se (majoritariamente) atos contra a ditadura; em 2025, busca-se perdoar atos contra a democracia.

O Legado de 1979 e o Alerta para 2025

A experiência de 1979 demonstra que a anistia, embora possa ser um instrumento de pacificação em determinados contextos, carrega o risco imenso de consagrar a impunidade quando aplicada a crimes graves contra os direitos humanos ou contra a própria ordem democrática. A não responsabilização pelos crimes da ditadura é apontada por muitos como um fator que contribuiu para a persistência de uma cultura autoritária e para a dificuldade do Brasil em consolidar plenamente sua memória histórica e justiça de transição.

A proposta de anistia para o 8 de Janeiro, ao buscar perdão para atos violentos contra as instituições democráticas, corre o risco de repetir, em um novo contexto, a lógica da impunidade. Poderia sinalizar que ataques à democracia são toleráveis ou passíveis de esquecimento por conveniência política, enfraquecendo as defesas institucionais contra futuras ameaças.

Entre o Perdão e a Memória, a Defesa da Democracia

O debate sobre a anistia para os atos de 8 de janeiro força o Brasil a um confronto com seu passado e a uma reflexão sobre seu futuro. Comparar a proposta atual com a Lei de 1979 não significa igualar os contextos, mas sim aprender com as lições (muitas delas amargas) da história. A anistia que garantiu a impunidade para torturadores e assassinos da ditadura deixou cicatrizes profundas. Estender agora um perdão similar a quem atentou contra a democracia vigente pode representar um novo golpe contra a noção de responsabilidade e justiça. A discussão no Congresso Nacional sobre a urgência e o mérito desta proposta será, portanto, muito mais do que uma batalha política; será um teste sobre a capacidade do país de defender suas instituições e sua memória democrática.

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