A Advocacia-Geral da União (AGU) entrou, nesta quinta-feira (8), com uma ação cautelar de grande impacto contra 12 entidades associativas e seus dirigentes, acusadas de lesar aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O pedido, que tramita na Justiça Federal, requer o bloqueio de bens no valor total de R$ 2.567.083.470,44 — quantia estimada como prejuízo direto ao INSS entre 2019 e 2024, segundo levantamentos da Dataprev.
A medida é um desdobramento direto da Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União (CGU) em abril deste ano, que identificou um sofisticado esquema de fraudes envolvendo descontos associativos não autorizados, intermediários financeiros, uso de dados pessoais indevidamente coletados, e permissividade institucional.
Fraude em larga escala: como funcionava o esquema
De acordo com a investigação, as 12 entidades alvo da ação foram criadas com o único objetivo de operar um sistema de cobrança indevida de mensalidades associativas sobre benefícios previdenciários, com anuência de agentes públicos e colaboração de empresas privadas. Muitas delas, segundo a AGU, funcionavam como “fachadas”, com dirigentes fictícios ou laranjas no comando.
“Estamos adotando providências acautelatórias para proteger o patrimônio do segurado e do INSS. A fraude retirou de quem menos tem o que mais precisa”, afirmou o ministro da AGU, Jorge Messias, em coletiva de imprensa realizada ao lado de autoridades da Previdência e da CGU.
Estima-se que mais de 4 milhões de beneficiários foram atingidos diretamente pelas cobranças ilegais. Uma auditoria da CGU revelou que 97% dos aposentados ouvidos negaram ter autorizado os descontos que constavam nos extratos de seus benefícios. Os valores, muitas vezes pequenos — entre R$ 10 e R$ 30 por mês —, somaram bilhões de reais ao longo de cinco anos.
Medidas judiciais solicitadas pela AGU
A ação protocolada inclui uma série de medidas urgentes contra os responsáveis, entre elas:
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Quebra dos sigilos bancário e fiscal dos dirigentes;
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Apreensão de passaportes, com objetivo de evitar fuga do país;
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Suspensão das atividades das associações investigadas;
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Bloqueio do uso de cartões de crédito e acesso a contas bancárias;
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Penhora de criptoativos, em especial os movimentados por meio de carteiras digitais;
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Indisponibilidade de bens das pessoas físicas e jurídicas envolvidas, como forma de garantir ressarcimento ao erário e às vítimas.
A AGU também acionou a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) para responsabilização civil e administrativa das entidades, sob os artigos que preveem sanções a empresas que obtenham vantagens por meio de corrupção, fraudes contra a administração pública ou por uso de interpostas pessoas (laranjas).
Estrutura paralela de intermediação
Além das 12 associações, outras seis empresas de fachada que atuavam como intermediárias no recebimento dos valores foram incluídas no processo. Essas empresas eram responsáveis por repassar as quantias para os dirigentes das entidades, burlando os mecanismos de rastreio de recursos do INSS e dificultando a auditoria das operações financeiras.
A documentação apresentada pela AGU detalha que parte dos recursos era convertida em bens de luxo, transferências ao exterior e até compra de criptoativos, como forma de ocultação patrimonial.
Reações e consequências institucionais
O escândalo já causou efeitos concretos no governo federal. O então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, foi exonerado do cargo horas após o início da operação. O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, deixou o cargo dias depois, pressionado por aliados do governo e pelo impacto negativo sobre a imagem da gestão.
Em seus lugares assumiram, respectivamente, Gilberto Waller, procurador de carreira da AGU, e Wolney Queiroz, ex-deputado federal e ex-líder do governo na Câmara. Ambos participaram da coletiva de imprensa ao lado do ministro Jorge Messias.
“Esta é uma ação que segue orientação direta do presidente Lula. Ele determinou tolerância zero com qualquer tipo de esquema que prejudique aposentados e pensionistas”, afirmou o novo ministro da Previdência.
Canal direto para vítimas
O governo anunciou ainda a implementação de um canal direto para que os aposentados possam verificar se foram vítimas do esquema. A partir do dia 13 de maio, estará disponível no aplicativo Meu INSS e no telefone 135 a funcionalidade para consulta e contestação dos descontos.
Em caso de confirmação de desconto não autorizado, o beneficiário poderá iniciar o processo de reparação e ressarcimento, com prazo de até 30 dias para análise.
Impacto social e político do escândalo
O caso escancarou fragilidades no sistema de controle de entidades conveniadas ao INSS. Muitas das associações hoje investigadas atuavam com aval formal do Instituto, sob acordos de cooperação técnica assinados entre 2018 e 2023. O vácuo de fiscalização, a burocracia excessiva e o excesso de permissões digitais contribuíram para o avanço do esquema.
Com mais de R$ 6,3 bilhões desviados em cinco anos — segundo relatório preliminar da CGU —, a fraude pode se tornar o maior caso de desvio sistemático de recursos de aposentados na história da Previdência brasileira.