Na manhã de 6 de maio de 2025, a Polícia Federal deflagrou a Operação “No Show” contra uma estrutura criminosa especializada em remeter cocaína do Brasil para a Europa, utilizando transportadores humanos — as chamadas “mulas do tráfico”. Ao todo, foram cumpridos 25 mandados de prisão e 28 de busca e apreensão em Amapá, São Paulo e Ceará. Paralelamente, solicitações de notificações vermelhas da Interpol visam capturar os integrantes que já teriam embarcado em conexões internacionais.
O esquema de envio de drogas
Recrutamento e aliciamento das mulas
Criminosos aliciavam pessoas em situação de vulnerabilidade por meio de redes sociais, oferecendo até US$ 5.000 por viagem. Muitas mulas recebiam passagens aéreas de ida e volta, hospedagem e pagamento à vista na chegada ao destino. O perfil variava de universitários a desempregados, muitos sem consciência plena dos riscos sanitários e legais envolvidos.
Ocultação interna e externa
Para driblar a fiscalização, o grupo empregava duas técnicas principais:
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Engolir cápsulas de cocaína revestidas com dois ou três filmes de PVC especiais, totalizando até 60 gramas por pessoa. A ingestão demandava monitoramento médico informal, já que o rompimento de uma cápsula pode causar morte por intoxicação.
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Fixar pacotes adesivos contendo droga em regiões corporais — coxas, abdômen e glúteos — ocultos em roupas justas. Essa modalidade facilita o descarte rápido em casos de vistoria.
Rotas aéreas e parcerias internacionais
As mulas embarcavam em aeroportos de Guarulhos (SP), Macapá (AP) e Fortaleza (CE), com escala em cidades da Europa Ocidental. Em solo estrangeiro, a quadrilha mantinha ramificações em Paris, Lisboa e Madri, onde recebiam a droga e direcionavam lotes para distribuidoras locais. Parceiros europeus eram responsáveis pela retirada das cápsulas e pela logística de entrega final.
Fases da Operação “No Show”
Planejamento e coleta de provas
Durante seis meses, a PF monitorou voos suspeitos, interceptou comunicações e acompanhou movimentações bancárias atípicas de coordenadores do esquema. O nome “No Show” faz referência à tática de cancelar voos de última hora quando percebem vigilância policial, dificultando a prisão em solo brasileiro.
Cumprimento de mandados e cooperação
Com apoio de esquadrões de elite e unidades de inteligência da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), agentes federais realizaram batidas simultâneas. A Cooperação Internacional envolveu a Interpol e autoridades de França, Portugal e Espanha, garantindo troca de informações em tempo real e facilitando prisões no exterior.
Apreensões e perícias
Em residências e hotéis usados pela quadrilha, a PF apreendeu:
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Documentos falsos e passaportes clonados
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Telefones criptografados e chips descartáveis
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Balanças de precisão e material para envelopamento
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Montantes em espécie, totalizando R$ 1,2 milhão
Enquanto isso, peritos federais analisaram cápsulas e confirmaram pureza média de 82% na cocaína, valor acima da média global estimada em 60% pelo UNODC.
Riscos à saúde e à segurança aérea
Transportar drogas no organismo expõe as mulas a riscos extremos. Além de obstruções intestinais e perfurações, a variação de pressão em voo pode provocar rupturas. Em um caso registrado em 2023, uma “mula” tentou abrir a porta de emergência de uma aeronave, confusa pelos efeitos da droga, obrigando pilotos a acionar protocolo de emergência.
O Departamento de Polícia Aeroportuária da Anac reforçou treinamentos para detecção de sinais vitais atípicos em passageiros e ampliou o uso de scanners corporais não invasivos.
Implicações jurídicas e penas previstas
No Brasil, os envolvidos responderão por:
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Tráfico internacional de drogas (art. 33 da Lei 11.343/06)
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Associação para o tráfico (art. 35 da mesma lei)
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Organização criminosa (Lei 12.850/13)
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Crime contra a segurança de transporte aéreo (art. 261 do Código Penal)
Somadas, as penas podem ultrapassar 20 anos de reclusão. Além disso, o Ministério da Justiça prepara pedido de extradição para aqueles capturados na Europa, reforçando a universalização das sanções.
Precedentes e a evolução das operações
Desde 2019, a PF realizou operações de grande porte contra envio aéreo de drogas:
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Harpía (2019): 200 cápsulas interceptadas em voos para Lisboa.
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Caribbean (2021): descoberta de 350 kg de cocaína em encomendas postais.
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Chesapeake (2023): uso de drones para enviar cargas a navios porta-contêineres.
A “No Show” é a mais ampla ação contra mulas registradas até hoje, graças ao combate integrado entre União, estados e nações parceiras.
Desafios futuros e recomendações
Especialistas em segurança pública recomendam:
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Integração de sistemas de IA nos portões de embarque, cruzando dados de voos e perfis de risco.
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Capacitação contínua de agentes federais em técnicas de entrevista e observação comportamental.
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Fortalecimento de acordos multilaterais com países de destino, agilizando extradições.
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Campanhas de prevenção em comunidades vulneráveis para reduzir o aliciamento de mulas.
A PF já planeja expandir “No Show” para investigar remessas de drogas via transporte marítimo e remessas postais, diversificando o escopo e fechando brechas usadas por organizações criminosas.
O papel da sociedade e das empresas
Além da atuação estatal, a colaboração cidadã é vital. Qualquer informação pode ser repassada anonimamente pelos canais 181 (Disque Denúncia) e 0800-645-8511 (PF). Empresas aéreas também devem investir em protocolos internos, treinando tripulações e agentes de solo para identificar indícios de tráfico humano.