Os primeiros testes eleitorais relevantes do segundo mandato do presidente Donald Trump (iniciado hipoteticamente em janeiro de 2025) trouxeram resultados surpreendentes e complexos nesta semana, oferecendo um vislumbre inicial do humor do eleitorado americano. Em Wisconsin, um dos estados mais politicamente divididos do país, os democratas conquistaram uma vitória expressiva na disputa pela Suprema Corte estadual na terça-feira (1º de abril), desafiando um investimento financeiro sem precedentes de Elon Musk e o endosso do próprio Trump. Enquanto isso, na Flórida, os republicanos mantiveram duas cadeiras cruciais na Câmara dos Representantes, mas com margens significativamente menores do que o esperado. A vitória dos Democratas em Wisconsin sob Trump marca o maior revés para os republicanos desde a posse presidencial.
Wisconsin: Um Sopro de Esperança Democrata na Suprema Corte
O epicentro do terremoto político da semana foi, sem dúvida, Wisconsin. A candidata liberal Susan Crawford derrotou o conservador Brad Schimel, garantindo não apenas uma cadeira na Suprema Corte estadual, mas também a manutenção da maioria liberal (4 a 3) no tribunal por um mandato de 10 anos.
Esta vitória é crucial em um estado com governador democrata (Tony Evers) e legislatura controlada por republicanos. A Suprema Corte estadual frequentemente atua como árbitro final em disputas partidárias acirradas. Com a maioria liberal consolidada, questões fundamentais como o direito ao aborto, regras eleitorais e o potencial redesenho dos distritos congressionais (atualmente favoráveis aos republicanos) estarão sob a influência progressista.
O Fator Musk e a Rejeição a Trump: Limites da Influência?
O que torna a vitória de Crawford ainda mais notável é o contexto em que ocorreu. A campanha de Schimel recebeu um apoio financeiro massivo, estimado em dezenas de milhões de dólares, liderado pelo bilionário Elon Musk, que se tornou uma figura proeminente no círculo de conselheiros de Trump. Musk chegou a fazer campanha pessoalmente no estado, buscando energizar a base conservadora. Além disso, Trump endossou Schimel nas semanas finais.
Apesar disso, os eleitores de Wisconsin rejeitaram o candidato apoiado pela dupla Trump-Musk. A campanha de Crawford explorou essa associação, transformando a eleição também em um referendo sobre a influência dos bilionários e do presidente.
“Eu nunca poderia imaginar que enfrentaria o homem mais rico do mundo pela justiça em Wisconsin. E nós vencemos”, celebrou Crawford em sua festa da vitória.
O resultado levanta questões sobre a real eficácia do “super PAC money” de Musk e a capacidade de Trump de transferir seu apoio para outros candidatos, especialmente em eleições não presidenciais e em temas como disputas judiciais. Para os democratas, fora do poder executivo federal e buscando unidade, a vitória serve como um impulso moral significativo.
Contradições em Wisconsin: O Referendo do ID Eleitoral
A complexidade do eleitorado de Wisconsin ficou evidente em outro resultado da mesma eleição. Enquanto elegiam uma juíza liberal para a Suprema Corte, os mesmos eleitores aprovaram por ampla maioria um referendo apoiado pelos republicanos para inscrever a exigência de identificação com foto (Voter ID) na Constituição estadual.
Embora leis de Voter ID já existam desde 2011, sua inclusão na Constituição torna mais difícil uma futura revogação por maioria democrata e protege a medida de contestações legais. Isso demonstra que, apesar da vitória liberal na disputa judicial, o estado permanece um “estado roxo” (purple state), onde eleitores podem ter visões distintas sobre diferentes temas, rejeitando Trump/Musk em uma disputa, mas apoiando uma medida tipicamente republicana em outra.
Flórida: Vitórias Republicanas com Sinais de Alerta
No estado da Flórida, o Partido Republicano conseguiu um alívio ao manter duas cadeiras na Câmara dos Representantes em eleições especiais, com as vitórias de Jimmy Patronis e Randy Fine. Essas vitórias eram cruciais para o presidente da Câmara, Mike Johnson, que opera com uma maioria extremamente apertada.
Contudo, a análise mais atenta revela preocupações para o partido. Ambos os distritos são considerados bastiões republicanos, onde Trump venceu por margens enormes em 2024. Nestas eleições especiais, os candidatos democratas, apesar de derrotados, conseguiram reduzir essas margens drasticamente (em alguns casos, pela metade), mesmo sendo superados financeiramente. Randy Fine, por exemplo, venceu por menos de 14 pontos percentuais após seu oponente democrata, Josh Weil, ter investido 10 vezes mais na campanha.
“Parabéns Randy, uma grande VITÓRIA contra uma enorme AVALANCHE DE DINHEIRO”, escreveu Trump em sua rede social, reconhecendo a dificuldade inesperada.
Essas margens apertadas em distritos seguros podem servir de alerta para os republicanos que disputarão eleições em distritos competitivos em 2026, indicando um possível entusiasmo democrata na oposição a Trump e Musk.
A ‘Trumpificação’ da Flórida e a Dinâmica com DeSantis
As eleições na Flórida também reforçaram o controle de Donald Trump sobre o Partido Republicano em seu estado natal, muitas vezes em detrimento de figuras locais e da influência do governador Ron DeSantis. Trump impulsionou as candidaturas de Patronis e Fine, ambos com laços considerados mais frouxos com os distritos, mas com forte lealdade ao ex-presidente.
Enquanto isso, DeSantis manteve distância, não endossando os candidatos de Trump e até criticando Fine publicamente. A vitória dos indicados de Trump solidifica sua base de poder no estado e no Congresso, com figuras que devem sua ascensão diretamente a ele. Isso se reflete na nomeação de vários políticos da Flórida para postos-chave no governo federal, muitas vezes preterindo aliados de DeSantis. A rivalidade entre Trump e DeSantis, embora publicamente contida, continua a moldar a política do estado, com Trump já se posicionando para a corrida governamental de 2026.
Implicações para 2026 e Além
Embora ainda seja muito cedo no ciclo eleitoral, os resultados desta semana oferecem algumas pistas e muitos questionamentos:
- Mobilização Democrata: A vitória em Wisconsin sugere que a base democrata está energizada e pode ser competitiva mesmo em cenários desfavoráveis.
- Limites da Influência: O poder combinado do dinheiro de Musk e do endosso de Trump não foi suficiente em Wisconsin, levantando dúvidas sobre sua aplicabilidade universal.
- Vulnerabilidade Republicana: As margens apertadas na Flórida indicam que mesmo distritos seguros podem se tornar mais competitivos, especialmente se o entusiasmo democrata se mantiver.
- Wisconsin como Termômetro: O estado continua sendo um campo de batalha crucial e imprevisível, essencial para as ambições de ambos os partidos em 2026 e 2028.
Os republicanos precisarão de mais do que o apoio de Trump e o dinheiro de Musk para garantir sucesso contínuo, enquanto os democratas ganham um impulso bem-vindo, mas enfrentam o desafio de replicar a vitória de Wisconsin em outros cenários. O cenário político americano, logo no início do segundo mandato de Trump, permanece volátil e altamente competitivo.