Cidade do Vaticano – 21 de abril de 2025 – Jorge Mario Bergoglio, o primeiro Papa jesuíta e o primeiro pontífice vindo da América Latina, encerra sua jornada como líder da Igreja Católica deixando para trás uma instituição que não é a mesma de 2013. Com um olhar pastoral profundo e decisões estruturais corajosas, Papa Francisco não buscou ser um reformador por ruptura, mas um iniciador de processos duradouros — e muitas vezes irreversíveis.
Seu papado foi marcado por gestos inéditos, reformas na governança e um impulso constante ao diálogo entre culturas, religiões e povos. Mas também foi, acima de tudo, um tempo de escuta. Escuta do povo de Deus, das vítimas de abusos, dos migrantes, dos pobres e das periferias que passaram a ter lugar central na missão da Igreja.
O Papa dos inéditos: das periferias ao coração do Vaticano
Francisco acumulou “primeiras vezes” que entraram para a história:
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Primeiro Papa jesuíta
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Primeiro a viver fora do Palácio Apostólico
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Primeiro a pisar no Iraque e abrir a Porta Santa fora de Roma (Bangui)
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Primeiro pontífice a assinar um documento conjunto com uma autoridade islâmica (Abu Dhabi, 2019)
Visitou 60 países em 47 viagens internacionais, incluindo destinos esquecidos pela diplomacia eclesial. Esteve no Sudão do Sul, Cuba, Canadá, Cingapura, Indonésia e Mosul. Viajou durante a pandemia, enfrentou fragilidades físicas e contrariou protocolos — por convicção de que o Evangelho também se faz nos gestos, não apenas nos documentos.
Uma Igreja sinodal, participativa e missionária
Desde o início, Francisco expressou o desejo de uma Igreja “em saída”. Ao criar o processo do Sínodo da Sinodalidade, ele inaugurou uma escuta inédita em escala mundial. Pela primeira vez, leigos, mulheres e jovens participaram com voz ativa nas decisões sobre o futuro e as prioridades da fé católica.
A sinodalidade — eixo que marcou seu pontificado — representou um novo modo de ser Igreja: menos clerical, mais colegial; menos autoritária, mais atenta às realidades locais.
Fraternidade e inclusão como vocação global
A publicação da encíclica Fratelli Tutti, em 2020, consolidou a proposta de uma Igreja comprometida com a fraternidade universal. Foi a partir desse espírito que Francisco se reuniu com o Grão Imame Ahmed al-Tayeb, lançou pontes entre Cuba e EUA, buscou o diálogo com a China e promoveu o encontro entre líderes cristãos em prol da reconciliação no Sudão do Sul.
Seus textos e discursos repetiram exaustivamente palavras como: inclusão, acolhimento, diálogo, periferia, compaixão.
Uma nova ética para a Igreja e para o mundo
Entre os temas centrais de seu pontificado:
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A ecologia integral, com a encíclica Laudato Si’, pioneira na abordagem ambiental da fé;
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A reforma do catecismo, que passou a considerar a pena de morte inadmissível;
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A criação de mecanismos de accountability episcopal, com o documento Vos Estis Lux Mundi;
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A abertura pastoral aos divorciados recasados e o acolhimento a pessoas LGBTQIA+ com base na misericórdia e na escuta.
Francisco mostrou que não basta professar doutrinas — é preciso aplicá-las com compaixão.
Reformas, justiça e presença pública
No campo institucional, Francisco reformulou a Cúria Romana com a Constituição Apostólica Praedicate Evangelium. Criou Dicastérios liderados por leigos e religiosas. Nomeou a primeira governadora do Estado do Vaticano, irmã Raffaella Petrini, e abriu espaço para que mulheres votassem em sínodos episcopais — algo até então impensável.
Enfrentou escândalos com firmeza, como o caso do edifício de Londres e os processos ligados a corrupção interna. Combateu abusos com novas legislações canônicas e pediu perdão em viagens como a que fez ao Canadá, onde reconheceu erros da Igreja com povos indígenas.
O Papa que atravessou a pandemia com humanidade
Talvez nenhuma imagem simbolize tanto seu pontificado quanto a Statio Orbis de 27 de março de 2020: sozinho, sob chuva, na Praça São Pedro deserta, oferecendo bênçãos a um mundo mergulhado na dor da Covid-19. Um homem idoso, mancando, rezando com milhões de pessoas conectadas por telas, medos e fé. Ali estava a essência do Papa Francisco: presença no meio da fragilidade humana.
Uma herança de pontes, não de muros
Entre frases que marcaram seu magistério, algumas ficarão como síntese de sua proposta pastoral:
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“Esta economia mata”
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“Construir pontes, não muros”
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“Pastores com cheiro de ovelhas”
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“Igreja em saída”
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“Estamos todos no mesmo barco”
Mais do que uma ruptura doutrinal, o que Francisco promoveu foi uma mudança de eixo: do centro para as margens, da imposição para o diálogo, da estrutura para o processo.