A sugestão do presidente Donald Trump de reconstruir e reabrir a lendária prisão de Alcatraz, feita no último domingo (4 de maio, no cenário hipotético), transcende a mera proposta administrativa; ela mergulha fundo no imaginário coletivo e na história americana, utilizando o poderoso símbolo de “A Rocha” para reforçar sua mensagem de “Lei e Ordem”, direcionada especificamente contra imigrantes indocumentados considerados criminosos e contra os “juízes radicalizados” que, segundo ele, impedem sua remoção expedita do país. Embora Trump tenha relativizado a declaração como “apenas uma ideia”, a escolha de Alcatraz como palco para essa manifestação revela uma estratégia de comunicação que privilegia o impacto simbólico em detrimento da viabilidade prática, ignorando a história real da prisão, seus custos operacionais e seu status atual como um popular parque nacional e marco histórico.
Alcatraz: A História Real da Prisão Mais Cara dos EUA
Para compreender a distância entre a retórica e a realidade, é fundamental revisitar os fatos históricos sobre Alcatraz:
- Operação (1934-1963): Funcionou como uma penitenciária federal de segurança máxima por quase três décadas, ganhando fama por abrigar gângsteres notórios como Al Capone e por sua suposta inescapabilidade.
- Fechamento (1963): Foi desativada não por falta de utilidade, mas por razões econômicas concretas. Segundo o Bureau of Prisons (Departamento de Prisões), Alcatraz era quase três vezes mais cara de operar do que qualquer outra prisão federal. A logística de transportar tudo (suprimentos, funcionários, detritos, água potável) de e para a ilha, somada à necessidade de reparos constantes devido à maresia (estimados entre US$ 3 a 5 milhões já em 1963), tornaram sua manutenção financeiramente insustentável.
O Presente de Alcatraz: Parque Nacional e Ícone Turístico
Após o fechamento, a ilha teve um período de ocupação por ativistas indígenas (entre 1969 e 1971), um fato histórico importante. Desde os anos 1970, Alcatraz é administrada pelo National Park Service (NPS) como parte da Golden Gate National Recreation Area.
- Status Atual: É um Marco Histórico Nacional (designado em 1986) e um dos pontos turísticos mais visitados da Califórnia e dos EUA, recebendo aproximadamente 1,2 milhão de visitantes por ano. Sua estrutura é preservada como museu e atração histórica.
- Remoção do Status: Embora a designação de Marco Histórico possa, teoricamente, ser removida pelo Secretário do Interior, isso exige condições específicas, como a perda das qualidades históricas originais – o que seria o oposto de “reconstruir” a prisão. A transformação de um parque nacional popular em prisão ativa enfrentaria oposição massiva e barreiras legais e ambientais significativas.
A Proposta de Trump: Símbolo vs. Substância
A ideia de Trump de “reabrir uma Alcatraz substancialmente ampliada e reconstruída” ignora essa realidade. O que ele busca, ao invocar “A Rocha”?
- Simbolismo de Dureza: Alcatraz representa o controle absoluto, o isolamento e a punição exemplar. Associar isso a “criminosos que entraram ilegalmente no país” reforça uma mensagem de tolerância zero na imigração.
- Ataque ao Judiciário: A justificativa explícita de Trump – a frustração com juízes que exigem devido processo legal para deportações – transforma Alcatraz em um símbolo de desafio ao Poder Judiciário. A lei americana realmente garante certos direitos processuais a imigrantes, mesmo indocumentados, antes da remoção, e os juízes são obrigados a seguir essas leis, não sendo uma questão de “medo” ou “radicalização” como alega Trump, mas de cumprimento constitucional. Sua proposta de contornar isso com uma prisão remota evoca comparações com locais como Guantánamo Bay.
- Apelo à Base “Lei e Ordem”: A promessa de um símbolo restaurado de “Lei, Ordem e Justiça” é música para os ouvidos de sua base eleitoral mais conservadora e punitivista.
A Inviabilidade Prática e as Reações Céticas
A concretização da proposta esbarra em obstáculos práticos e financeiros ainda maiores hoje do que em 1963. Os custos de modernizar a estrutura deteriorada para padrões prisionais atuais, garantir segurança e operar logisticamente na ilha seriam astronômicos e muito menos eficientes do que construir ou utilizar instalações em terra firme.
Isso explica a reação cética de figuras como a ex-presidente da Câmara, Nancy Pelosi, cujo distrito inclui a ilha. Ela classificou a proposta como “pouco séria”, destacando o status atual de parque popular. A menção de que Donald Trump Jr. já havia ventilado a ideia anteriormente sugere que, no círculo de Trump, Alcatraz é vista mais como um “meme” de força bruta do que como uma solução política séria.
Alcatraz como Arma Retórica na Guerra Cultural e Política
A sugestão de Donald Trump de ressuscitar a prisão de Alcatraz, embora rapidamente apresentada como “apenas uma ideia”, é uma poderosa manobra retórica que se insere em suas conhecidas estratégias de comunicação política. Ao evocar a imagem sombria e o mito de “A Rocha”, ele busca capitalizar o forte simbolismo do local para promover sua agenda de linha dura na imigração, criticar o Judiciário e energizar sua base com a promessa de “Lei e Ordem” implacável.
A proposta ignora deliberadamente a história factual do fechamento da prisão por inviabilidade econômica, seu status atual como parque nacional e marco histórico protegido, e os custos proibitivos de qualquer tentativa de reativação. Alcatraz, nas mãos de Trump, torna-se menos um projeto concreto e mais uma arma simbólica na guerra cultural e na disputa política, evidenciando a primazia da mensagem e da provocação sobre a viabilidade e a razoabilidade na sua forma de fazer política.