Em uma entrevista recente à influente revista Time, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não apenas defendeu veementemente sua agressiva política de tarifas (“tarifaço”) como um “tremendo sucesso”, mas também fez a surpreendente e questionável afirmação de que países como o Brasil, Índia e China “ficaram ricos” ao longo dos anos justamente por cobrarem altas taxas sobre produtos americanos. As declarações, feitas em meio à escalada da guerra comercial global desencadeada por suas próprias medidas, oferecem um vislumbre claro da visão de mundo protecionista e da estratégia retórica de Trump, que mistura autoelogios, simplificações históricas e promessas de acordos iminentes para justificar sua abordagem confrontadora no comércio internacional. A entrevista de Trump à Time sobre Brasil e tarifas adiciona mais um capítulo à sua narrativa econômica particular.
A Tese Questionável: O Enriquecimento de Brasil, Índia e China via Tarifas?
Questionado sobre suas próprias tarifas, Trump desviou o foco inicial, acusando outros países de praticarem o mesmo, mas de forma predatória contra os EUA:
“Veja, foi isso que a China fez conosco. Eles nos cobram 100%. Se você olhar para a Índia, ela cobra entre 100% e 150%. Se você olhar para o Brasil, se olhar para muitos, muitos países, eles cobram – é assim que sobrevivem. É assim que ficaram ricos”, disse Trump à Time.
Essa afirmação, especialmente sobre o Brasil, carece de sustentação histórica e econômica robusta. Embora o Brasil (assim como Índia e China) tenha suas próprias barreiras tarifárias em setores específicos e uma história de políticas industriais protecionistas, atribuir o “enriquecimento” desses países primariamente à cobrança de tarifas sobre produtos americanos é uma simplificação extrema e enganosa. O desenvolvimento econômico dessas nações é resultado de fatores muito mais complexos, como industrialização, commodities, mercado interno, investimentos e políticas macroeconômicas diversas, com resultados e trajetórias muito distintas entre si.
A alegação de Trump parece servir mais como uma justificativa retórica para suas próprias ações – uma forma de dizer “eles fizeram isso conosco por anos, agora estamos revidando” – do que como uma análise econômica precisa. Encaixa-se em sua visão de comércio como um jogo de soma zero, onde o ganho de um país representa necessariamente a perda de outro, especialmente dos EUA.
Autoavaliação Positiva: O ‘Tremendo Sucesso’ da Estratégia Tarifária
Em contraste com sua visão negativa sobre as tarifas alheias, Trump foi efusivo ao elogiar sua própria estratégia. Ele a classificou como “um tremendo sucesso”, mesmo admitindo que os resultados plenos ainda não são visíveis (“Você ainda não percebeu…”). Os argumentos para esse sucesso autoatribuído foram:
- Aumento da Produção Industrial nos EUA: Uma alegação feita sem apresentar dados comprobatórios imediatos e que, dado o curto espaço de tempo desde a intensificação das tarifas, é economicamente questionável como efeito direto e já mensurável.
- Arrecadação Bilionária: Afirmou estar arrecadando “bilhões e bilhões de dólares” em tarifas, “dinheiro que nunca tínhamos arrecadado antes”. Embora a arrecadação tarifária de fato aumente, essa visão ignora os custos indiretos para a economia (preços mais altos para consumidores e empresas, retaliações sobre exportadores americanos).
- Incentivo à Produção Local: Reforçou seu argumento central de que as tarifas estimulam as empresas a produzir nos EUA para evitar as taxas (“não há tarifas se eles fabricarem os produtos aqui”).
Para Trump, a própria permanência das altas tarifas daqui a um ano seria um sinal de vitória, indicando uma preferência clara pelo protecionismo como fim em si mesmo, e não apenas como ferramenta de negociação temporária.
A Hipérbole dos Acordos: Centenas de Negócios Fechados?
Mantendo seu estilo característico, Trump também anunciou à Time que sua política tarifária já estaria rendendo frutos em forma de acordos, e não poucos:
“Fechei 200 acordos. Você precisa entender, estou lidando com todas as empresas, com países muito amigáveis […] fui eu quem fechou todos os acordos”, afirmou.
Ele mencionou que “diversos acordos” já foram fechados e devem ser anunciados “nas próximas semanas”, mas evitou dar datas ou detalhes específicos. Essa alegação de “200 acordos” fechados em tão pouco tempo desde a escalada tarifária soa como uma hipérbole significativa, destinada a projetar uma imagem de sucesso e de intensa atividade negociadora sob seu comando pessoal. É mais provável que se refira a entendimentos preliminares ou ao início de conversas com os países incluídos na “pausa” de 90 dias, do que a acordos comerciais complexos já finalizados.
Sinais Contraditórios e a Visão de Mundo Trumpiana
A entrevista também expôs sinais contraditórios, como a afirmação de que “Estamos nos reunindo com a China”, que parece conflitar com declarações anteriores sobre a suspensão de diálogos enquanto Pequim mantivesse retaliações. Ao mesmo tempo, reforçou sua visão consistente sobre o comércio: uma arena de disputa onde os EUA foram explorados, onde tarifas são a principal arma para “nivelar o campo” e onde seu papel pessoal como negociador é central e decisivo.
Trump Dobra a Aposta na Narrativa Protecionista
A entrevista de Donald Trump à revista Time serve como uma reafirmação contundente de sua visão de mundo e de sua estratégia comercial. Suas declarações, que incluem alegações factualmente questionáveis sobre o enriquecimento do Brasil e de outros países através de tarifas contra os EUA, funcionam como peças retóricas para justificar sua própria escalada protecionista, pintada por ele como um “tremendo sucesso” para a economia americana.