Em meio à turbulência da guerra comercial global, uma medida anunciada por Donald Trump na quarta-feira (9), que trouxe alívio momentâneo aos mercados mundiais, pode ter um gosto amargo especificamente para o Brasil. A decisão de “pausar” por 90 dias a aplicação de tarifas retaliatórias acima de 10% para dezenas de países, nivelando a taxa nesse patamar para a maioria (com exceção da China), paradoxalmente piora o cenário competitivo para as exportações brasileiras, na avaliação de dois ex-secretários de Comércio Exterior do país, Lucas Ferraz (governo Bolsonaro) e Welber Barral (governo Lula). Em entrevistas à CNN Brasil, ambos concordam que a vantagem relativa que o Brasil parecia ter foi neutralizada por essa reviravolta na política tarifária americana.
O Cenário Anterior: Uma Janela de Oportunidade para o Brasil?
Para entender a análise dos ex-secretários, é preciso recordar o cenário que se desenhava antes da “pausa” de Trump. Na escalada inicial de tarifas retaliatórias americanas, o Brasil havia sido alvo de uma taxa de 10%. Embora negativa, essa alíquota parecia comparativamente vantajosa frente às taxas muito mais elevadas impostas a quase 60 outros países – alguns concorrentes diretos do Brasil em certos setores.
Havia uma expectativa, como mencionou Lucas Ferraz, citando estudos do Centro de Negócios Globais da FGV, de que o Brasil pudesse ganhar mercado nos Estados Unidos justamente por ter uma tarifa menor que a de rivais. Setores como vestuário (competindo com Vietnã, que enfrentaria 46%), couros, eletroeletrônicos, madeira, máquinas e equipamentos, e até automóveis, poderiam se beneficiar dessa diferença de tratamento tarifário. O Brasil, embora taxado, estaria em melhor posição relativa que muitos outros.
A Reviravolta de Trump: Nivelando o Campo (e Prejudicando o Brasil)
A decisão de Trump de limitar a 10%, por 90 dias, as tarifas aplicadas a todos os países que inicialmente receberiam taxas superiores (excluindo a China, que viu sua tarifa explodir para 125%/145%), mudou completamente esse cálculo comparativo.
Ao trazer para o mesmo patamar de 10% países que enfrentariam taxas muito maiores, a medida eliminou a vantagem relativa brasileira. Concorrentes que estariam em desvantagem significativa agora enfrentam, temporariamente, a mesma barreira tarifária que o Brasil (ou até menor, se suas taxas originais já fossem inferiores a 10%).
“Não tenha dúvidas de que piora para o Brasil. A gente vinha dizendo que o cenário não era tão ruim pela questão comparativa. O fato é de que, com esta limitação a 10%, esta vantagem acabou”, afirmou Lucas Ferraz à CNN, de forma categórica.
O Alerta de Barral: O Risco Adicional em Mercados Terceiros
Welber Barral, embora considere que a vantagem anterior era “apenas uma expectativa”, aponta para um novo risco gerado pela janela de negociação de 90 dias aberta por Trump. Ele teme que os Estados Unidos utilizem esse período para fechar acordos bilaterais vantajosos com outros mercados importantes para o Brasil, como a União Europeia.
“O grande risco que existe agora é os Estados Unidos negociarem com mercados que são importantes para o Brasil e conseguirem mais espaço para suas mercadorias; espaço para produtos agrícolas, na Europa, por exemplo”, alertou Barral.
Nesse cenário, o Brasil poderia perder espaço não apenas no mercado americano (devido à perda da vantagem relativa), mas também em mercados terceiros, onde produtos americanos poderiam ganhar acesso preferencial, deslocando as exportações brasileiras.
Visão Global vs. Interesse Nacional: Um Equilíbrio Delicado
A análise dos ex-secretários expõe uma tensão comum no comércio internacional: medidas que podem ser vistas como positivas para o sistema global como um todo (como um passo, ainda que hesitante, para frear uma escalada tarifária generalizada – o “fio de esperança” mencionado por Ferraz) podem ter impactos negativos específicos para determinados países.
Neste caso, a busca de Trump por uma solução que talvez alivie a pressão sobre múltiplos parceiros (e sobre a própria economia americana), enquanto concentra fogo na China, acabou por diluir uma potencial vantagem competitiva que o Brasil vislumbrava.
Brasil Perde Posição Relativa no Caótico Xadrez Comercial
A avaliação de especialistas com experiência prática em comércio exterior, como Lucas Ferraz e Welber Barral, é clara: a “pausa” tarifária de Trump, longe de ser neutra ou positiva para o Brasil, representa um revés em sua posição competitiva relativa no curto prazo. A janela de oportunidade que parecia se abrir com tarifas diferenciadas foi fechada pelo nivelamento temporário em 10%.
Além disso, a janela de negociação de 90 dias introduz o risco adicional de acordos bilaterais dos EUA com outros parceiros que podem prejudicar o Brasil em mercados terceiros. Enquanto o mundo tenta decifrar os próximos movimentos no complexo e imprevisível jogo comercial de Trump, a análise indica que, neste lance específico, o Brasil saiu perdendo terreno para seus concorrentes. A esperança reside, talvez, no que acontecerá após os 90 dias ou em uma eventual desescalada mais ampla do conflito global.
