As projeções fiscais apresentadas pelo governo federal junto ao Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025 soaram como um alarme ensurdecedor em Brasília: se a trajetória atual for mantida, as despesas discricionárias – verba crucial para o custeio da máquina pública e, sobretudo, para qualquer tipo de investimento – caminham para a virtual extinção até o final da década, atingindo ínfimos 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2029. Este cenário, classificado por economistas como “insustentável” e a “crônica de uma morte anunciada” da capacidade operacional do Estado, não é um mero acidente de percurso ou uma fatalidade econômica. É, fundamentalmente, o resultado matemático de décadas de escolhas políticas que engessaram o orçamento brasileiro e que agora colocam o país diante de uma encruzilhada crítica: ou se tomam decisões políticas corajosas para reformar estruturas, ou se corre o risco real de um “shutdown” funcional nos próximos anos.
A Contagem Regressiva Para a Asfixia Fiscal
Os números apresentados pela equipe econômica são claros e preocupantes. O espaço para os gastos “livres” do governo federal, aqueles sobre os quais há alguma margem de decisão (diferente dos obrigatórios como salários e aposentadorias), encolhe a olhos vistos:
- 2025: 1,8% do PIB
- 2026: 1,5% do PIB
- 2027: 0,8% do PIB (nível já considerado compatível com paralisação por especialistas)
- 2028: 0,4% do PIB
- 2029: 0,1% do PIB (aproximadamente R$ 8,9 bilhões em valores projetados)
Como alerta Marcus Pestana, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), a máquina pública tende a parar antes mesmo de chegar a zero. Cálculos da IFI indicam que seria necessário um mínimo de 0,7% do PIB apenas para cobrir despesas operacionais básicas (luz, água, sistemas de TI nos ministérios). Abaixo disso, o cenário é de colapso funcional: “falta munição para o Exército e gasolina para abastecer os carros da Polícia Federal”, exemplifica Pestana, comparando a situação ao “pianista do Titanic, que seguia tocando como se nada estivesse acontecendo”.
As Raízes da Rigidez: Como as Escolhas Políticas Amarraram o Orçamento
Compreender como se chegou a este ponto exige olhar para as decisões políticas estruturantes tomadas ao longo das últimas décadas, que criaram um dos orçamentos “mais engessados do mundo”, nas palavras de Pestana:
- Constituição Cidadã (1988): Ao mesmo tempo que garantiu direitos sociais importantes, vinculou parcelas significativas da receita a gastos mínimos em áreas como Saúde e Educação (os “pisos”), indexou benefícios ao salário mínimo e estabeleceu regras rígidas para o funcionalismo.
- Reformas Incompletas ou Adiadas: Reformas da Previdência e Administrativa, embora realizadas pontualmente, nunca foram profundas o suficiente para conter estruturalmente o crescimento vegetativo das despesas obrigatórias com pessoal e benefícios.
- Política de Valorização do Mínimo: A opção por conceder aumentos reais ao salário mínimo, embora socialmente relevante, impacta diretamente uma vasta gama de despesas indexadas.
- Emendas Parlamentares Impositivas: Decisões do próprio Congresso de tornar obrigatória a execução de uma fatia crescente das emendas reduziram drasticamente a margem de manobra orçamentária do Poder Executivo (R$ 39 bilhões impositivos só em 2025).
Essas e outras escolhas, somadas, criaram uma estrutura onde as despesas obrigatórias consomem quase toda a receita disponível, espremendo progressivamente o espaço para gastos discricionários.
A Bomba-Relógio dos Precatórios: O Gatilho para 2027
A situação, já crítica, tende a se agravar exponencialmente a partir de 2027 devido a uma decisão do STF: os precatórios (dívidas do governo reconhecidas judicialmente) não poderão mais ser pagos fora das regras fiscais principais (como vinha ocorrendo parcialmente). Com um estoque bilionário (estimado em R$ 116 bilhões para 2026), a reincorporação integral dessa despesa ao orçamento primário funcionará como um golpe fatal no já exíguo espaço discricionário.
Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro, quantifica o desafio: para acomodar os precatórios entre 2026 e 2027 mantendo as regras fiscais atuais, seria necessário um corte de despesas três vezes maior que o pacote de R$ 40 bilhões anunciado pelo governo no final do ano passado. Um ajuste dessa magnitude é considerado politicamente inviável por muitos analistas.
A Encruzilhada Inadiável: Reforma Estrutural ou Mudança nas Regras?
As projeções do PLDO colocam, portanto, a classe política brasileira diante de uma escolha inevitável e urgente:
- O Caminho das Reformas Estruturais: Enfrentar o altíssimo custo político de aprovar reformas que ataquem a rigidez estrutural do orçamento. Isso envolveria, potencialmente, novas regras para a previdência, reforma administrativa, uma reforma tributária que simplifique E aumente a arrecadação líquida (ou corte renúncias fiscais), e talvez até a rediscussão dos pisos constitucionais de saúde e educação.
- O Caminho da Mudança de Regras: Alterar o arcabouço fiscal vigente para acomodar a pressão dos gastos obrigatórios e dos precatórios, flexibilizando metas ou criando exceções. O risco aqui é a perda de credibilidade fiscal, o aumento da percepção de risco do país e consequências negativas sobre juros, inflação e investimento.
O Futuro Fiscal Exige Escolhas Políticas no Presente
As projeções do PLDO 2025 não são uma profecia, mas um diagnóstico severo: a trajetória atual, fruto de décadas de escolhas políticas que priorizaram a expansão de gastos obrigatórios sem o devido lastro, leva à paralisia do Estado. O colapso das despesas discricionárias significa a perda da capacidade de investir, de manter serviços e de responder a novas demandas sociais.
Evitar o “shutdown” funcional alertado por economistas não depende de tecnicismos orçamentários, mas de decisões políticas corajosas e urgentes. O Brasil precisa escolher se enfrentará o desgaste de reformas estruturais profundas ou se arriscará a credibilidade fiscal alterando as regras do jogo. A inação ou o adiamento dessa escolha, como sugere a metáfora do pianista do Titanic, apenas aproxima o país do iceberg fiscal que as projeções oficiais agora mostram claramente no horizonte. A responsabilidade de mudar o rumo recai sobre os ombros dos atuais formuladores de políticas.