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Fim de Uma Era: Argentina Anuncia Desmonte do ‘Cepo Cambial’ e Adota Flutuação Gerenciada a Partir de Segunda

Medida drástica de Caputo/Milei, apoiada por pacote bilionário do FMI, remove limite de US$ 200 para indivíduos e busca atrair investimento, mas carrega riscos de volatilidade em meio a ajuste econômico.

por Ifatos
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Em um dos movimentos mais aguardados e potencialmente transformadores de sua gestão, o governo de Javier Milei na Argentina anunciou nesta sexta-feira (11 de abril de 2025) o desmantelamento do intrincado sistema de controles cambiais, popularmente conhecido como “cepo cambial”. A partir da próxima segunda-feira (14), cairão as amarras que por anos restringiram o acesso dos argentinos a moedas estrangeiras, incluindo o emblemático limite de compra de US$ 200 mensais para pessoas físicas. A medida, detalhada pelo ministro da Economia, Luis “Toto” Caputo, e pelo presidente do Banco Central (BCRA), Santiago Bausili, marca o fim de uma era de repressão financeira e introduz um novo regime de flutuação cambial gerenciada, uma aposta de alto risco que busca normalizar a economia, atrair investimentos e consolidar os ajustes fiscais, tudo isso sob o guarda-chuva de um robusto pacote de apoio financeiro internacional. O fim do cepo cambial na Argentina é um divisor de águas na política econômica do país.

O Legado do ‘Cepo’: Anos de Distorções, Mercados Paralelos e Desconfiança

Implementado e apertado por diferentes governos ao longo dos últimos anos, o “cepo” foi uma ferramenta utilizada na tentativa desesperada de conter a fuga de dólares, frear a desvalorização do peso argentino e administrar as escassas reservas internacionais em meio a um cenário de inflação crônica (que chegou à hiperinflação).

Contudo, os custos foram altíssimos:

  • Mercados Paralelos: A restrição no mercado oficial fomentou um amplo mercado paralelo (o famoso “dólar blue” e outras cotações), com um spread (diferença) gigantesco em relação à taxa oficial, distorcendo preços relativos.
  • Desincentivo ao Investimento: A dificuldade em acessar dólares para importar insumos ou remeter lucros afastava investimentos produtivos.
  • Repressão Financeira: Cidadãos e empresas viam seu acesso à moeda forte limitado, gerando incerteza e buscando alternativas informais.
  • Perda de Credibilidade: A complexidade e a arbitrariedade das regras minavam a confiança na moeda e nas instituições econômicas.

O fim do “cepo” é, portanto, carregado de simbolismo, representando uma ruptura com essas práticas e a promessa de um mercado cambial mais livre e unificado.

O Novo Regime: Flutuação com ‘Bandas’ e Intervenção Pontual

Em substituição ao controle rígido, o governo implementará um sistema de flutuação gerenciada dentro de bandas cambiais. Caputo explicou o mecanismo:

  • Banda Inicial: A taxa de câmbio poderá flutuar livremente entre um piso de $1.000 pesos e um teto de $1.400 pesos por dólar.

  • Intervenção nos Extremos: O Banco Central (BCRA) atuará apenas quando a cotação atingir os limites da banda: venderá dólares se o preço ultrapassar $1.400 (para baixar a cotação) e comprará dólares se cair abaixo de $1.000 (para sustentar a cotação).  Liberalização Gradual: Para permitir uma adaptação progressiva do mercado, tanto o piso quanto o teto da banda serão ampliados em 1% a cada mês. O objetivo é permitir que o preço do dólar seja majoritariamente definido pelo mercado, mas com a autoridade monetária atuando como um “amortecedor” para evitar oscilações extremas e garantir uma transição mais suave para uma eventual flutuação totalmente livre no futuro. O fim do limite de US$ 200 foi a medida de maior impacto popular, mas o pacote de liberalização cambial anunciado é mais amplo:

  • Fim do ‘Dólar Blend’: Extinção de cotações diferenciadas para exportadores, buscando unificar a taxa de câmbio para o comércio exterior.

  • Agilidade para Importadores: Fim da regra que obrigava importadores a esperar 30 dias após a chegada da mercadoria para acessar dólares para pagamento. Agora, o pagamento pode ser feito na chegada do bem. Restrições à importação de bens de capital também foram relaxadas.

  • Remessa de Lucros e Dividendos: Empresas poderão remeter livremente lucros e dividendos gerados a partir de agora.

  • Solução para o Passado: Para dividendos retidos e dívidas entre empresas acumuladas antes de 2025, o governo oferecerá um título especial em dólares (BOPREAL), que poderá ser subscrito em pesos, permitindo destravar esses pagamentos represados.

  • Manutenção do Imposto PAIS (parcialmente): Foi confirmado que o imposto de 30% sobre compras com cartão no exterior e serviços relacionados ao turismo permanece em vigor.

“Não tem mais controle, tudo o que for operações de pessoas físicas em todas as suas operações cambiais não tem mais restrições”, declarou Santiago Bausili, presidente do BCRA, enfatizando a amplitude da liberalização para indivíduos.

A Aposta de Milei e Caputo: Atrair Dólares ou Inflamar a Crise?

A justificativa oficial do governo é clara: o fim das restrições é essencial para atrair investimentos estrangeiros diretos, destravar o potencial exportador, consolidar o superávit fiscal alcançado com as medidas de austeridade e permitir a recapitalização do Banco Central, marcando a “terceira fase” do programa econômico de Milei.

Contudo, a aposta é de altíssimo risco:

  • Risco de Desvalorização Brusca: A demanda reprimida por dólares pode levar a uma forte pressão compradora inicial, testando a capacidade do BCRA de defender o teto da banda e potencialmente forçando uma desvalorização acentuada do peso.
  • Impacto Inflacionário: Uma desvalorização significativa realimentaria a inflação, justamente o problema que Milei tenta combater com cortes drásticos de gastos.
  • Credibilidade da Banda: A sustentabilidade do sistema de bandas dependerá da confiança dos agentes econômicos na capacidade e disposição do BCRA de intervir e na suficiência de suas reservas.

A Rede de Segurança Indispensável: FMI, Banco Mundial e BID

É impossível dissociar o anúncio do fim do “cepo” do maciço apoio financeiro internacional que o governo Milei conseguiu costurar. O anúncio coincidiu com a expectativa de aprovação final pelo FMI de um empréstimo de US$ 20 bilhões, com desembolsos significativos já em 2025 (US$ 12 bilhões imediatos, mais US$ 3 bilhões no ano).

Adicionalmente, Banco Mundial (US$ 12 bilhões) e BID (US$ 10 bilhões) anunciaram programas de apoio às reformas argentinas. Embora nem todo esse valor seja liquidez imediata, a sinalização de respaldo das principais instituições financeiras internacionais e a entrada de US$ 6,1 bilhões em liquidez já em 2025 são vistas como a âncora de credibilidade e a reserva de munição essenciais para que o BCRA possa sustentar o novo regime cambial e mitigar os riscos da liberalização. Sem essa rede de segurança, a aposta seria consideravelmente mais perigosa.

Um Salto de Fé Rumo à Normalização (ou à Volatilidade)

A Argentina dá um passo histórico e audacioso ao derrubar o “cepo cambial”. É uma medida que rompe com anos de distorções e que alinha o país com práticas de mercado mais convencionais, atendendo a uma demanda antiga de investidores e cidadãos. A liberalização, apoiada por um forte pacote financeiro internacional, carrega a promessa de destravar investimentos e normalizar a economia.

Entretanto, o caminho é repleto de desafios. O sucesso dependerá crucialmente da manutenção da confiança na política econômica de Milei, da capacidade do BCRA em gerenciar o novo sistema de bandas sem esgotar suas reservas (reforçadas pelo FMI) e do controle da inflação em meio a um processo que pode gerar volatilidade inicial. A Argentina inicia na segunda-feira um experimento econômico de consequências profundas, um verdadeiro salto de fé em busca da tão almejada estabilidade.

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