O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou sua visita oficial a Moscou, nesta quinta-feira (9), para criticar de forma direta a política tarifária do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Durante reunião bilateral no Kremlin com o presidente russo Vladimir Putin, Lula afirmou que as medidas econômicas unilaterais impostas por Washington comprometem o sistema multilateral construído após a Segunda Guerra Mundial e ameaçam o princípio da soberania entre nações.
“As últimas decisões anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos de taxação de comércio com todos os países do mundo de forma unilateral jogam por terra a grande ideia do livre comércio, jogam por terra o fortalecimento do multilateralismo e muitas vezes o respeito à soberania dos países que nós temos que ter”, afirmou Lula, em trecho transmitido ao vivo pela imprensa internacional.
A crítica ocorre poucos dias após Trump anunciar um pacote tarifário de 10% sobre quase todas as importações estrangeiras, em uma nova escalada de sua política protecionista. A medida tem gerado reações negativas entre aliados históricos dos Estados Unidos e tensionado os mercados globais.
Lula e Putin: sinal político em meio à guerra
A visita de Lula à Rússia tem sido marcada por forte simbolismo geopolítico. O presidente brasileiro está em Moscou para participar da cerimônia que marca os 80 anos da vitória soviética sobre o nazismo na Segunda Guerra Mundial. Durante a reunião com Putin, Lula destacou o papel histórico da Organização das Nações Unidas (ONU) e da ordem multilateral que emergiu após 1945.
“A democracia com a qual aprendemos a conviver depois da Segunda Guerra Mundial, o funcionamento do multilateralismo, o respeito à diversidade, à soberania de cada país, está agora desaparecendo. E o que virá depois, nós não sabemos”, alertou Lula, com expressão grave.
O presidente russo retribuiu com elogios à parceria entre os dois países, ressaltando que Rússia e Brasil compartilham valores no campo da política internacional. Putin afirmou que os dois Estados pretendem fortalecer laços por meio de fóruns como os BRICS, o G20 e a própria ONU.
“Acreditamos no multilateralismo e na ordem mundial baseada no respeito mútuo”, disse Putin, referindo-se ao Brasil como “parceiro estratégico confiável”.
Pauta comercial e interesses bilaterais
Apesar do tom político, Lula também aproveitou a visita para avançar em temas econômicos. O presidente brasileiro afirmou que há “grande potencial” para ampliar a exportação de produtos do Brasil para o mercado russo. Segundo fontes do Itamaraty, há interesse específico em produtos agroindustriais, máquinas agrícolas e tecnologia para energia renovável.
Durante a reunião, Putin também propôs cooperação em projetos de energia nuclear para fins pacíficos, como a construção conjunta de pequenas usinas nucleares — o que foi bem recebido por Lula. A proposta será avaliada por técnicos da Eletronuclear e da Rosatom nas próximas semanas.
O silêncio sobre a guerra na Ucrânia
Na parte aberta da reunião, Lula não mencionou o conflito entre Rússia e Ucrânia, apesar de o tema ser um dos pontos centrais da viagem, conforme divulgado pelo Itamaraty. O silêncio do presidente brasileiro foi interpretado como estratégia diplomática para não comprometer sua pretensão de atuar como mediador no conflito.
A postura gerou reações imediatas de Kiev. Fontes do governo ucraniano afirmaram à imprensa europeia que a visita de Lula a Moscou “compromete sua credibilidade” como possível negociador de paz. Em nota, o Itamaraty não respondeu diretamente às críticas, mas uma fonte do Palácio do Planalto reafirmou que “nenhuma crítica externa alterará a posição do Brasil, que é a defesa do diálogo e do cessar-fogo”.
Repercussão internacional e isolamento de Putin
A presença de Lula no Kremlin é vista como relevante para Putin, que tem sido alvo de isolamento diplomático por parte de países ocidentais desde o início da guerra na Ucrânia, em 2022. A recepção de um líder do G20 e dos BRICS é, para Moscou, uma oportunidade de reforçar sua narrativa de que ainda mantém aliados relevantes no sul global.
Além de Lula, outros líderes que participaram da cerimônia em Moscou foram Xi Jinping (China), Narendra Modi (Índia, por videoconferência) e representantes de países africanos e do Oriente Médio.
Contexto político da fala contra Trump
Esta não é a primeira vez que Lula critica Donald Trump. Em entrevistas anteriores, o presidente brasileiro já associou o estilo do líder republicano ao de “governantes que flertam com o autoritarismo”. No entanto, a fala desta quinta-feira é a mais dura desde que Trump reassumiu a presidência dos EUA em janeiro de 2025.
“Não é possível aceitar que decisões de uma só potência possam afetar a vida de bilhões de pessoas sem diálogo prévio”, afirmou Lula a jornalistas após o encontro com Putin.
A crítica de Lula também está alinhada com sua tentativa de reafirmar o Brasil como defensor do multilateralismo, numa era em que crescem políticas nacionalistas e acordos bilaterais de força, especialmente nos eixos EUA–China e OTAN–Rússia.