Em meio a uma escalada contínua dos preços, diversas famílias brasileiras têm ajustado o orçamento e adotado novas práticas de compra. A inflação de alimentos, que atingiu 7,68% em março de 2025 em relação a março de 2024, segundo o IBGE, supera em muito a variação do Índice Geral de Preços (IGP-DI) do mesmo período. Com isso, o brasileiro comum encontrou nos atacadistas e nos mercados de bairro uma saída para conter a despesa mensal com o supermercado.
Contexto da inflação alimentar
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o IPCA-Alimentação e Bebidas acumulou alta de 7,68% nos últimos 12 meses até março de 2025, enquanto o IPCA geral ficou em 4,3%. Além disso, dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) mostram aumentos médios de:
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Arroz: 11,5%
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Feijão-carioca: 9,2%
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Carne bovina (contrafilé): 14,8%
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Leite longa vida: 8,3%
Como consequência, o gasto médio mensal com alimentação saltou de R$ 862 em 2023 para R$ 1.020 em março de 2025 entre famílias de baixa renda, de acordo com pesquisa da Associação Brasileira de Supermercados (Abras).
Impacto regional e socioeconômico
A realidade da inflação não se distribui de forma homogênea. Enquanto a Região Sudeste contabiliza alta de 7,2% em alimentos, o Nordeste chega a 8,5%, conforme o IBGE. Assim, estados como Maranhão e Bahia sentiram impactos mais agudos, já que a participação do gasto alimentar no orçamento ultrapassa 45% em domicílios com renda per capita até meio salário mínimo.
Entretanto, mesmo em grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro, consumidores de classes C e D têm dedicado quase 40% do orçamento ao setor de Alimentação e Bebidas, revela estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Mudanças nos hábitos de consumo
Diante desse cenário, uma pesquisa da Brazil Panels Consultoria em parceria com a Behavior Insights identificou que:
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41,8% dos entrevistados migraram para redes atacadistas
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17,4% fortaleceram as compras em mercados de bairro
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5,4% aumentaram a frequência em feiras livres
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25,3% passaram a pesquisar preços em aplicativos de comparação
Além disso, 32% dos consumidores relatam planejar as compras com semana de antecedência, montando listas detalhadas por valor e validade dos produtos.
“A inflação redefine o prato do brasileiro e estimula uma reestruturação profunda nos hábitos de consumo”, afirma Claudio Vasques, CEO da Brazil Panels.
Consequentemente, práticas como compartilhar cestas de compras entre vizinhos se tornaram comuns em condomínios, o que garante descontos por volume e reduz o custo por família.
Itens básicos mais afetados
A inflação variada entre diferentes produtos levou a cortes no carrinho de compras de muitos itens essenciais:
Produto | Alta acumulada (%) | % de famílias que deixaram de comprar |
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Carne bovina | 14,8 | 46,1% |
Azeite de oliva | 9,7 | 50,5% |
Leite longa vida | 8,3 | 9,0% |
Café torrado moído | 8,1 | 34,6% |
Ovos | 7,5 | 20,0% |
Frutas e verduras | 6,2 | 12,7% |
Arroz | 11,5 | 7,1% |
Porém, a ausência desses itens pode comprometer a qualidade nutricional das refeições, já que cada um deles contribui com macro e micronutrientes importantes na dieta diária.
Consequências nutricionais e sociais
A redução no consumo de carne e de hortifrúti, por exemplo, eleva riscos de deficiências de ferro, cálcio e vitaminas A e C. Uma análise da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE de 2022 já havia alertado para a fragilidade nutricional em famílias de menor renda, mas a pressão inflacionária agrava esse quadro.
Além disso, organizações não governamentais como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) registram aumento de 18% nos atendimentos por insegurança alimentar em 2024, comparado a 2023. Assim, mesmo em regiões metropolitanas, cresce o número de pessoas que dependem de programas de distribuição de cestas básicas.
Reações do setor público e privado
Para mitigar esse impacto, o governo federal e estados adotaram medidas pontuais:
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Redução de PIS/Cofins sobre produtos da cesta básica (legislação em tramitação no Congresso Nacional).
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Incentivos fiscais para centros de distribuição de pequenos produtores rurais.
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Programas de fomento às hortas urbanas em 50 municípios-piloto, coordenados pelo Ministério da Agricultura em parceria com prefeituras.
Entretanto, especialistas alertam que ações emergenciais não substituem reformas estruturais, como melhorias logísticas e modernização do setor agrícola. Nesse sentido, o Ministério da Economia e a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estudam contratos de compra antecipada de grãos, com foco em reduzir oscilações de preço.
Caminhos para estabilidade de longo prazo
Do ponto de vista de políticas públicas e estratégias de mercado, destacam-se algumas propostas:
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Modernização da logística: obras de rodovias, ferrovias e armazéns permitem redução de perdas pós-colheita, atualmente de cerca de 12% do total produzido.
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Agricultura familiar: ampliar linhas de crédito especiais, diminuindo custo de financiamento de até 2% ao ano para pequenos produtores.
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Diversificação de oferta: incentivar culturas menos sensíveis à seca e à chuva, reduzindo riscos climáticos e variações bruscas de preço.
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Digitalização do comércio: estimular o uso de plataformas digitais para venda direta do produtor ao consumidor, eliminando intermediários e reduzindo margens acima de 30%.
Portanto, uma combinação de medidas imediatas e estruturais é essencial para conter a inflação alimentar e garantir acesso a alimentos saudáveis a toda a população.
Cenário futuro e recomendações para famílias
Para os próximos 12 meses, 65,9% dos brasileiros acreditam em alta contínua de preços, enquanto 23% esperam aumentos moderados e apenas 3,1% veem possibilidade de queda. Diante disso, recomenda-se:
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Planejar compras com lista e pesquisa de preços semanais.
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Aproveitar feiras livres em dias de maior oferta, normalmente quartas e sábados.
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Optar por marcas próprias de rede, que custam em média 20% menos.
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Comprar produtos da estação, mais baratos e frescos.
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Formar grupos de compras entre família e vizinhos para desbloquear descontos por volume.
Assim, as famílias podem reduzir em até 15% o valor gasto mensalmente com alimentação, conforme teste-piloto realizado pela Abras em 2024.
Perspectivas para famílias e políticas públicas
O desafio dos preços elevados exige persistência e criatividade. Entretanto, se o governo avançar em reformas logísticas e tributárias, e se consumidores manterem práticas inteligentes de compra, será possível equilibrar o orçamento doméstico sem renunciar à qualidade nutricional.
Ao final, a segurança alimentar do país dependerá de um esforço articulado entre público, privado e sociedade civil, assegurando que o brasileiro não precise escolher entre comer bem ou comer pouco.