Agilidade e Resiliência: Setor de Ovos do Brasil Capitaliza Crise nos EUA, Mas Enfrenta Desafio da Tarifa de Trump
Capacidade produtiva e status sanitário exemplar impulsionam exportações (+346% no tri), porém taxa de 10% testa a sustentabilidade da conquista em meio a mercado americano fragilizado e protecionismo crescente.
Em um mercado global cada vez mais volátil, a capacidade de resposta rápida e a solidez estrutural definem os vencedores. O setor de ovos brasileiro acaba de dar uma demonstração notável de ambas as qualidades. Diante de uma crise sanitária sem precedentes que dizimou planteis e fez disparar os preços nos Estados Unidos, a indústria avícola nacional não apenas identificou a oportunidade, mas demonstrou uma agilidade impressionante para suprir a demanda, resultando em um salto de 346,4% na exportação de ovos para os EUA no primeiro trimestre de 2025. Este sucesso, contudo, encontra agora um teste de resiliência inesperado: a imposição de uma tarifa de 10% pelo governo Trump sobre todos os produtos brasileiros, uma medida que desafia a competitividade da solução brasileira justamente quando ela se mostrava mais necessária.
O Alicerce do Sucesso: A Resiliência Sanitária Brasileira
O pano de fundo para a ascensão brasileira como principal fornecedor de ovos aos EUA é a devastadora crise da gripe aviária (HPAI) em território americano. Desde 2022, surtos recorrentes forçaram o sacrifício de milhões de aves, criando um vácuo na produção interna e levando os preços a patamares recordes – a média da dúzia atingiu US$ 4,95, com projeções do USDA indicando possíveis altas de 41% em 2025.
Neste cenário, a principal vantagem competitiva do Brasil não foi apenas o preço ou o volume, mas sua robustez sanitária. O país tem conseguido, através de rigorosos controles e vigilância, manter suas granjas comerciais em larga escala livres de surtos generalizados de HPAI. Essa condição de “porto seguro sanitário” foi o passaporte essencial que permitiu ao Brasil atender aos exigentes requisitos americanos e se tornar um parceiro confiável no momento de maior necessidade.
Resposta Rápida: Os Números Impressionantes da Agilidade Brasileira
A capacidade de resposta do setor brasileiro, uma vez aberta a porta do mercado americano (celebrada por Ricardo Santin, presidente da ABPA), foi imediata e massiva. Os dados da ABPA quantificam essa agilidade:
- EUA (Q1 2025 vs Q1 2024): Salto de +346,4% no volume, totalizando 2.705 toneladas e consolidando os EUA como principal destino.
- Desempenho Geral (Março 2025 vs Março 2024): Embarques totais cresceram +342,2% em volume (3.770 t) e +383% em receita (US$ 8,650 mi), mostrando a intensidade da demanda recente.
- Desempenho Geral (Q1 2025 vs Q1 2024): Exportações totais subiram +97,2% em volume (8.654 t) e +116,1% em receita (US$ 17,77 mi).
Estes números não são apenas estatísticas; são a prova da capacidade logística e produtiva de um setor que soube se mobilizar rapidamente para atender a uma demanda externa explosiva, transformando uma crise alheia em oportunidade de negócio e demonstração de competência.
Novo Obstáculo no Horizonte: A Tarifa de Trump Testa a Competitividade
A imposição da tarifa de 10% por Donald Trump sobre todos os produtos brasileiros lança uma sombra sobre essa história de sucesso. A medida, parte de um contexto mais amplo de políticas comerciais assertivas (ou protecionistas) da atual administração americana, funciona como um freio externo e artificial sobre uma dinâmica de mercado que estava, em tese, beneficiando ambos os países – o Brasil com receitas de exportação, os EUA com alívio (ainda que parcial) na oferta de ovos.
A grande questão agora é a resiliência econômica dessa corrente exportadora:
- Absorção de Custos: O setor brasileiro terá margem para absorver parte da tarifa e manter o preço competitivo nos EUA?
- Repasse ao Consumidor: Ou a tarifa será integralmente repassada, encarecendo ainda mais os ovos para o consumidor americano, que já paga preços recordes?
- Competitividade: A tarifa torna o ovo brasileiro menos atraente em comparação a outros potenciais fornecedores (se existirem em escala e com status sanitário similar)?
Essa barreira política testa a capacidade do setor brasileiro de navegar não apenas nos desafios sanitários e de mercado, mas também nos meandros da geopolítica comercial.
O Preço da Crise e da Solução: O Consumidor no Centro da Equação
É impossível dissociar essa dinâmica comercial do impacto humano. Nos EUA, a falta e o encarecimento dos ovos afetam diretamente o orçamento familiar e a segurança alimentar, especialmente para populações de baixa renda. A chegada dos ovos brasileiros representava uma potencial válvula de escape. A tarifa, no entanto, pode tornar essa solução mais onerosa, criando um paradoxo onde a política comercial do próprio governo americano pode agravar um problema interno de inflação de alimentos.
No Brasil, embora a ABPA garanta que a exportação (menos de 1% da produção) não compromete o abastecimento interno, o monitoramento dos preços domésticos (que segundo o Cepea, apesar de uma queda recente em março, seguem acima dos níveis de 2024) é fundamental para manter o equilíbrio e a aceitação social do sucesso exportador.
Visão Estratégica: Diversificação como Pilar da Resiliência
Enquanto o mercado americano domina as manchetes devido ao crescimento explosivo, os dados da ABPA também revelam uma estratégia inteligente de diversificação. O crescimento robusto das vendas para o Chile (+65,4%) e, principalmente, para o Japão (+132,4%), além da abertura do mercado mexicano, demonstram que o setor busca ativamente reduzir sua dependência de um único comprador. Essa estratégia se mostra ainda mais crucial diante de políticas tarifárias imprevisíveis como a de Trump, funcionando como um seguro contra choques em mercados específicos. A leve queda nos Emirados Árabes (-9%) é vista como parte das flutuações normais do comércio internacional.
Conclusão: Resiliência Posta à Prova, Agilidade como Trunfo
A ascensão meteórica do Brasil como principal fornecedor de ovos para os Estados Unidos em 2025 é uma história de sucesso construída sobre pilares sólidos: um status sanitário rigorosamente mantido e uma agilidade notável para responder a uma oportunidade de mercado. O setor demonstrou resiliência onde outros falharam.
Contudo, a imposição da tarifa de 10% pelo governo Trump introduz um elemento de incerteza e representa o mais novo desafio a essa resiliência. A capacidade do setor de ovos brasileiro de manter sua competitividade, absorver custos ou encontrar caminhos para mitigar o impacto da taxa, ao mesmo tempo em que continua a diversificar seus mercados, será fundamental para determinar se a conquista atual se consolidará em um posicionamento estratégico de longo prazo no cenário global. A “galinha dos ovos de ouro” encontrada na crise americana agora exige não apenas competência produtiva e sanitária, mas também uma grande dose de inteligência comercial e estratégica para navegar nas turbulentas águas da política internacional.