Em discurso no 12º Annual Brazil Macro Conference, promovido pelo Goldman Sachs em São Paulo no dia 19 de maio de 2025, o presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, anunciou que a taxa Selic, atualmente em 14,75% ao ano, permanecerá em patamar restritivo por um “período bastante prolongado”. Ele enfatizou que os agentes financeiros não devem se deixar levar por indicadores econômicos de curto prazo, como dados do Caged ou da indústria, e reafirmou o compromisso do BC em perseguir a meta de inflação de 3%. Com o IPCA acumulado em 5,53% até abril de 2025 e expectativas desancoradas, a política monetária enfrenta desafios complexos, incluindo a resiliência da economia, canais de transmissão obstruídos e incertezas fiscais e internacionais. Este artigo analisa as implicações dessa estratégia, os impactos econômicos e o contexto geopolítico que molda as decisões do BC.
Contexto: Inflação Persistente e Economia Resiliente
A Trajetória da Selic e da Inflação
A taxa Selic foi elevada de 14,25% para 14,75% em 2025 para conter a inflação, que atingiu 5,53% no acumulado de 12 meses até abril, segundo o IBGE. O IPCA deve ultrapassar o teto da meta (4,5%) em junho, conforme projeções do BC. A meta de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual, permanece como norte, mas as expectativas dos agentes financeiros, segundo o Boletim Focus, estão desancoradas, projetando inflação acima de 4% até 2026.
Resiliência Econômica Surpreendente
Apesar do aperto monetário, a economia brasileira exibe dinamismo inesperado. A taxa de desemprego atingiu o menor nível para o primeiro trimestre na série histórica do IBGE, e setores como serviços e varejo mantêm crescimento. Galípolo descreveu a atividade econômica como “surpreendentemente dinâmica”, o que intriga investidores estrangeiros. Essa resiliência, porém, complica o controle da inflação, exigindo uma política monetária mais rigorosa.
A Estratégia do Banco Central: Selic Alta e Paciência
Foco na Tendência, Não em Flutuações
Galípolo criticou a reação emocional a indicadores de curto prazo, como dados do Caged ou da produção industrial. “A gente não devia se emocionar com um Caged mais fraco ou um dado da indústria mais forte. Precisamos confirmar tendências”, afirmou. Essa abordagem reflete a intenção do BC de manter a Selic em patamar restritivo até que a inflação convirja para a meta, priorizando a estabilidade de longo prazo.
Calibragem Secundária
O presidente minimizou debates sobre pequenos ajustes na Selic, como 14,75% versus 15%. “A discussão sobre o tempo necessário para atingir a meta será mais relevante que a calibragem exata”, disse. Essa postura sinaliza que o BC está mais preocupado com a duração do aperto monetário do que com alterações marginais na taxa.
Rejeição a Expectativas de Corte
Questionado sobre uma possível redução da Selic, Galípolo foi categórico: “Não estamos perto dessa discussão. Esse tema não está nos debates do Copom.” A declaração refuta especulações de mercado e reforça o compromisso com uma política restritiva prolongada.
Desafios da Política Monetária
Canais de Transmissão Obstruídos
Galípolo admitiu que os canais de transmissão da política monetária — como crédito, consumo e investimento — não operam com a fluidez de outros países. “Não há bala de prata. Serão necessárias várias reformas”, disse. O BC prioriza o “desentupimento” desses canais, mas o processo é complexo e depende de mudanças estruturais, como maior eficiência no mercado de crédito e redução de incertezas fiscais.
Inflação e Expectativas Desancoradas
Com o IPCA acima da meta e projeções de mercado desalinhadas, o BC enfrenta pressões para reforçar sua credibilidade. O juro real ex-ante, estimado em 8,65% para os próximos 12 meses pela MoneYou, reflete o custo elevado do dinheiro, mas não tem sido suficiente para ancorar expectativas. Galípolo enfatizou: “Não há tergiversação em relação à meta. Nossa disposição é inequívoca.”
Resiliência Econômica como Obstáculo
A vitalidade da economia, com desemprego baixo e consumo resiliente, reduz a eficácia do aperto monetário. Setores como varejo e serviços continuam aquecidos, alimentando pressões inflacionárias. O BC vê a desaceleração econômica como “elemento necessário” para atingir a meta, mas a resistência da atividade exige uma Selic alta por mais tempo.
Política Fiscal: A Dança Complexa
Expectativas de Estímulos Fiscais
Galípolo apontou que agentes financeiros antecipam medidas fiscais expansionistas para compensar a desaceleração provocada pela Selic alta. Essa expectativa complica a política monetária, pois o BC deve agir preventivamente contra políticas que ainda não existem. “É uma dança que não é simples”, disse, reconhecendo que a percepção de uma “função-reação fiscal” influencia as projeções de inflação.
Implicações para a Credibilidade
A incerteza fiscal, amplificada por debates sobre gastos públicos, aumenta a pressão sobre o BC. Galípolo destacou que o Copom mantém consenso sobre a necessidade de um balanço de riscos menos assimétrico, mas a interação entre política monetária e fiscal permanece um desafio central.
Cenário Internacional: Incertezas e Oportunidades
Impacto das Tarifas Comerciais
Galípolo abordou as incertezas no comércio global, especialmente as tarifas impostas pelos EUA, que afetam cadeias de suprimento. “Não há clareza sobre o resultado final dessas tarifas, e implementá-las é complexo”, afirmou. Essas tensões, intensificadas pelo governo Trump, criam oportunidades para o Brasil, como na exportação de carne de frango e sorgo para a China, mas também geram volatilidade nos preços de commodities.
Comparação com Pares Globais
Diferentemente de economias desenvolvidas, onde a política monetária tem transmissão mais fluida, o Brasil enfrenta peculiaridades estruturais. A resiliência econômica, embora positiva, contrasta com a necessidade de desaceleração para controlar a inflação, exigindo uma abordagem mais agressiva do BC.
Impactos Econômicos e Sociais
Custo do Crédito
A Selic em 14,75% eleva o custo do crédito, impactando consumidores e empresas. Empréstimos pessoais e financiamentos imobiliários tornam-se mais caros, reduzindo o consumo e o investimento. Pequenas e médias empresas, especialmente, enfrentam dificuldades, o que pode frear o crescimento no longo prazo.
Desaceleração Necessária
O BC aposta que a desaceleração econômica reduzirá pressões inflacionárias, mas o processo pode aumentar o desemprego e desacelerar setores dependentes de crédito, como construção e varejo. A Quaest projeta crescimento do PIB de apenas 1,8% em 2025, refletindo o impacto do aperto monetário.
Benefícios de Longo Prazo
Se bem-sucedida, a estratégia do BC pode ancorar a inflação, estabilizar expectativas e restaurar a credibilidade da política monetária. Isso atrairia investimentos estrangeiros e reduziria o custo de financiamento no futuro, promovendo crescimento sustentável.
Perspectivas: Um Caminho de Disciplina
Galípolo reforçou que o BC não cederá às pressões de curto prazo. A manutenção da Selic alta por um período prolongado visa garantir que a inflação convirja para a meta de 3%, mesmo que isso exija sacrifícios econômicos temporários. A prioridade é reconstruir a confiança dos mercados, desobstruir os canais de transmissão e navegar as incertezas fiscais e globais.
O presidente do BC também sinalizou a necessidade de reformas estruturais para melhorar a eficácia da política monetária. Propostas como a modernização do mercado de crédito, maior transparência fiscal e incentivos à produtividade podem complementar o aperto monetário, reduzindo a dependência de juros altos no futuro.
Selic Alta Molda o Futuro Econômico do Brasil
A decisão do Banco Central de manter a Selic em 14,75% por um período prolongado reflete um compromisso firme com a meta de inflação, mas impõe desafios significativos. A resiliência da economia brasileira, embora um ativo, complica o controle inflacionário, exigindo paciência e disciplina. Enquanto o BC enfrenta incertezas fiscais e globais, a estratégia de Galípolo busca ancorar expectativas e pavimentar o caminho para uma economia mais estável. O sucesso dependerá da capacidade de equilibrar crescimento, inflação e credibilidade em um cenário complexo.