Viagem emergencial para cúpula “Nutrition for Growth” expõe falhas de transparência, pressiona governo por novas regras e alimenta cobranças no Congresso
A primeira-dama Rosângela Lula da Silva desembarcou em Paris em 26 de março de 2025 para discursar na cúpula Nutrition for Growth (N4G), organizada por ONU, FAO e governo francês. O deslocamento – executiva no trajeto Tóquio → Paris e econômica no trecho Paris → Brasília – custou R$ 60.210,58. O valor integra a maior comitiva do 3.º mandato de Luiz Inácio Lula da Silva: 220 integrantes e gasto mínimo de R$ 4,54 milhões. Até hoje o montante exato permanece sob sigilo parcial.
Como Paris entrou na rota asiática
• Antes de Lula deixar Hanoi, Janja recebeu convite oficial para apresentar resultados do Programa Cozinha Brasil Saudável na plenária de ministros do N4G.
• A equipe do Itamaraty avaliou “ganho reputacional” na área de segurança alimentar. Mesmo assim, o convite não constava na agenda divulgada em 15 de março.
• Janja voou com o Escalão Avançado da Força Aérea Brasileira (FAB) – alegou “otimizar custos” e “reduzir risco logístico” para a parada técnica no Alasca.
Detalhamento das despesas já conhecidas
Item | Valor (R$) | Observação |
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Passagens Janja (Tóquio → Paris → Brasília) | 60.210,58 | Compradas pela agência credenciada do Planalto |
Diárias Janja + 3 assessores (Paris, 4 noites) | 18.041,80 | 100 €/dia em média, cotação oficial |
Hotel Crowne Plaza Anchorage (voo FAB) | 77.903,80 | 46 quartos por 12 h de escala |
Vans blindadas / motorista – Anchorage | 397.800,00 | Contrato BAC Transportation |
Total parcial divulgado | 4.541.000,00 | Inclui trechos Ásia-Brasil em aeronaves VC-1 |
Listas de “comitiva técnica” e “comitiva de apoio” seguem classificadas até 2030.
O que foi discutido na cúpula de nutrição
Janja prometeu triplicar compras públicas de alimentos frescos para merenda escolar até 2028, além de aderir à Cartilha Paris 2030, que busca zerar deficiências de micronutrientes em crianças. Ela também:
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assinou carta de intenção para montar hub de pesquisa brasileiro-francês sobre ultraprocessados;
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apresentou dado do Ministério da Saúde: 13 milhões de brasileiros convivem com insegurança alimentar severa;
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comprometeu-se a enviar projeto de lei para rotulagem frontal obrigatória em alimentos infantis.
Críticas e defesa
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Oposição: parlamentares de PL, Novo e União protocolaram 26 requerimentos exigindo planilha completa da missão. Alegam “turismo diplomático”.
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Secom: argumenta que Janja exerce “papel de Estado” em agendas de cooperação social e que hospedagem oficial dispensou diárias hoteleiras.
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Técnicos da CGU: apontam que a legislação de 1985 permite executiva a chefes de Poder, mas não menciona primeira-dama; falha abre zona cinzenta.
Debate sobre tamanho das comitivas
Analistas do Ipea calculam que missões com mais de 120 pessoas apresentam “redução marginal do retorno institucional”. A viagem à Ásia levou:
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32 diplomatas (MRE) – logística, protocolo e tradução;
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27 funcionários do Gabinete Pessoal – cerimonial, imprensa e equipe médica;
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18 agentes do GSI – segurança presidencial;
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11 congressistas – articulação parlamentar;
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72 servidores de órgãos da Presidência – comunicação, audiovisual, TI e apoio.
Próximos passos: ajustes em normas de viagem
O Planalto avalia pacote de mudanças:
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Teto financeiro – cada ministério terá “cota anual” de passagens internacionais;
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Classe de vôo – executiva reservada a ministros e chefes de Poder; acompanhante usa econômica;
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Relatório público em 15 dias – nomes, diárias, passagens e justificativa de cada agenda;
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Painel de Viagens 2.0 – integração automática com Siafi, Portal da Transparência e Diário Oficial.
O TCU abriu auditoria operacional para aferir eficiência de missões oficiais em 2024-2025. O relatório pode obrigar devoluções de valores não justificados.
Impacto político
Enquanto Janja argumenta que a pauta nutricional reforça soft power brasileiro, a permanência de dados em sigilo potencializa desgaste. O episódio serviu para oposição reacender projetos que restringem comitivas a “80 integrantes salvo exceções”, ecoando práticas de países do G20.