O cardeal Pierbattista Pizzaballa, Patriarca Latino de Jerusalém, emergiu como uma figura singular no conclave de 2025, reunindo em si a vivência de três décadas de missão no Oriente Médio e a urgência de um discurso de paz em meio ao conflito entre Israel e Gaza. Com 59 anos, ele se diferencia por bilinguismo — fluente em italiano, latim, hebraico, árabe e inglês —, formação acadêmica sólida e postura de diálogo inter-religioso, tornando-o um nome que apela tanto à periferia da Igreja quanto às chancelarias diplomáticas globais.
Da Bérgamo ao Studium Biblicum Franciscanum
Origens humildes e vocação
Nascido em 17 de janeiro de 1965, na cidade de Bérgamo, ao norte da Itália, Pierbattista Pizzaballa cresceu em família modesta, motivado a seguir a vida religiosa também por alívio econômico aos parentes. Aos 19 anos, ingressou no Estudo Bíblico Franciscanum em Jerusalém, onde concluiu bacharelado em Sagrada Escritura e, posteriormente, doutorado em Teologia pela Universidade Hebraica de Jerusalém.
Primeiro contato com o terreno de missão
Ordenado padre em 29 de junho de 1996, Pizzaballa começou a servir em paróquias de refugiados palestinos na Cisjordânia. Essa experiência direta com comunidades marginalizadas moldou sua visão pastoral, levando-o a defender a justiça social como expressão concreta da fé. Em 2006, assumiu o cargo de Custódio da Terra Santa, coordenando os franciscanos em negociações com autoridades israelenses e palestinas.
Líder interino e primeiro cardeal do Patriarcado Latino em 800 anos
Administração apostólica e eleição ao patriarcado
Em 24 de junho de 2016, após a renúncia do Patriarca Latino Fouad Twal, o Vaticano nomeou Pizzaballa Administrador Apostólico do Patriarcado Latino de Jerusalém. Durante esse período provisório, reformou estruturas financeiras e reforçou o diálogo com igrejas ortodoxas e muçulmanas. Em 6 de junho de 2020, o Papa Francisco o elegeu oficialmente Patriarca Latino, tornando-o responsável por cerca de 150 mil católicos distribuídos em Israel, Territórios Palestinos, Jordânia e Chipre.
Elevação ao cardinalato
No consistório de 27 de agosto de 2022, Francisco criou Pizzaballa cardeal — o primeiro na história moderna do Patriarcado Latino de Jerusalém, um feito sem precedentes nos cerca de 1.700 anos dessa circunscrição eclesiástica. Recebeu o título de Santo Elias Profeta, em alusão ao monte transoriente, símbolo de convergência das três grandes religiões abraâmicas.
A guerra em Gaza e a voz profética de Pizzaballa
Proposta de troca por reféns
Em outubro de 2023, após o sequestro de crianças israelenses pelo Hamas, Pizzaballa ofereceu-se publicamente como garantia de troca, postura capturada em entrevista fechada a repórteres do Vaticano. Embora tenha qualificado a ideia de “ingênua”, sua disposição repercutiu mundialmente como gesto de coragem e empatia.
Visitas humanitárias a Gaza
Entre maio e dezembro de 2024, o patriarca visitou Gaza em duas ocasiões, levando suprimentos e coordenando atendimento a feridos. Em relatório à Caritas Internationalis, descreveu “ruínas cobertas de cinzas e famílias desabrigadas” e apelou às Nações Unidas por corredores humanitários. Essas ações reforçaram seu papel de interlocutor junto a organizações não governamentais, como o Programa Alimentar Mundial, para envio de ajuda emergencial.
Teologia do encontro e crítica ao “poder”
Pizzaballa repete que a liderança religiosa deve manter distância de “poder econômico ou político”, afirmando:
“Para ser livre como líder, é preciso ser independente de qualquer poder. Fé e poder não combinam.”
Essa posição se alinha ao pontificado de Francisco, mas com ênfase prática: o cardeal implementou transparência financeira no Patriarcado e recusou convites de autoridades civis para aparições públicas que pudessem ser interpretadas como alinhamento político.
Perfil teológico e interlocução ecumênica
Diálogo com rabinos e imãs
Em 2023, Pizzaballa participou de seminário teológico na Sinagoga Hurva, em Jerusalém, debatendo com o rabino David Bar-Hayim sobre interpretações comuns do Antigo Testamento. Também coordenou um encontro em Amã com líderes muçulmanos sunitas e xiitas, promovendo leitura conjunta de versículos sobre justiça social no Alcorão e nos Evangelhos.
Ensino e publicações
Autor de artigos acadêmicos, publicou em 2018 “Scripture and Exegesis in the Holy Land” (Edizioni Studium), obra que analisa métodos de interpretação bíblica à luz de contextos judaicos. Sua fluência em línguas antigas facilitou edições críticas de manuscritos litúrgicos, garantindo acesso a tradições centenárias.
Pontificado em potencial: proposta de reformas
Se confirmado no papado, Pizzaballa aponta prioridades:
-
Reestruturação da Cúria Romana, com mais cardeais de regiões periféricas e mandato rotativo para dignitários.
-
Pastoral urbana reforçada em megacidades do Sul Global, criando “paroquias-mãe” para jovens em situação de rua.
-
Ecologia integral, expandindo iniciativas de agricultura sustentável em terras eclesiásticas, seguindo a encíclica Laudato Si’.
-
Coragem diplomática, mantendo canais abertos com governos de áreas conflitantes e defendendo corredores humanitários.
Desafios e resistências internas
Equilíbrio na Cúria
Alguns setores conservadores veem em sua estreita colaboração com religiões não-cristãs um risco à identidade doutrinal. Já reformistas apoiam sua experiência de campo, buscando mais “voz viva” na governança.
Saúde e longevidade
Aos 59 anos, Pizzaballa é relativamente jovem para um papa moderno — João Paulo II foi eleito aos 58, mas faleceu aos 84. Exames anteriores apontam boa saúde, mas conclaves costumam considerar também capacidade de engajamento em viagens extensas.
Repercussão internacional e expectativas no conclave
A eleição de um papa oriundo de Jerusalém — cidade sagrada dividida entre judeus, cristãos e muçulmanos — enviaria forte mensagem de reconciliação e solidariedade. Em diplomacia vaticana, o patriarca já atuou como interlocutor em visitas de chefes de Estado à Terra Santa, facilitando entendimentos em temas complexos como patrimônio religioso e direitos de minorias.
Enquanto cardeais de diversas regiões avaliam “papabili” no conclave, o nome de Pizzaballa circula entre vozes que priorizam experiência de campo e autenticidade pastorais, em contraponto a perfis acadêmicos ou curiais clássicos.
Reflexão final: fé em tempos de divisão
Em sua última entrevista antes do conclave, Pizzaballa afirmou:
“A fé nos convida a resgatar nossa humanidade. Em Jerusalém, aprendi que o outro, seja ele quem for, é sempre um ser humano. Sem essa consciência, perdemos a chance de construir paz.”
Essa ênfase na dignidade comum resume seu percurso: de jovem monge em Bérgamo a cardeal de fronteira, pronto para oferecer à Igreja uma liderança impregnada de proximidade e esperança.