Brasília/João Pessoa – O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) colocou o sistema judiciário da Paraíba sob os holofotes ao determinar a abertura de uma investigação formal contra três de seus desembargadores. A ordem veio após uma contundente denúncia do Banco do Nordeste (BNB), que acusa os magistrados Onaldo Queiroga, Aluizio Bezerra Filho e João Alves da Silva (aposentado) de parcialidade e favorecimento a um escritório de advocacia específico em decisões que resultaram em honorários advocatícios que podem alcançar a cifra de R$ 70 milhões. Este imbróglio entre o BNB e os desembargadores da Paraíba escala a tensão entre uma instituição financeira federal e o poder judiciário estadual.
A Faísca: Denúncia do BNB e Alegações de Parcialidade
A ofensiva do BNB junto ao CNJ visa, segundo o banco, proteger o patrimônio público de um “risco concreto”. A instituição alega que um padrão de decisões questionáveis no Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) beneficiou sistematicamente o escritório Mouzalas Advocacia, cujo sócio, Rinaldo Mouzalas, é também conselheiro federal da OAB.
O cerne da acusação reside na suspeita de que os desembargadores investigados teriam direcionado processos, muitos deles antigos (datando dos anos 1990), para desfechos favoráveis ao escritório, culminando em condenações pesadas contra o BNB a título de honorários sucumbenciais. O banco aponta “tramitação duvidosa” e a repetição de teses jurídicas específicas como indícios de irregularidade.
Os Protagonistas da Controvérsia
No centro desta disputa estão:
- O Banco do Nordeste (BNB): Instituição financeira controlada pelo governo federal, atuando como acusador.
- Os Desembargadores:
- Onaldo Queiroga (ativo)
- Aluizio Bezerra Filho (ativo)
- João Alves da Silva (aposentado)
- O Escritório Mouzalas: Representado por Rinaldo Mouzalas, apontado como o beneficiário das supostas decisões parciais.
Casos Milionários Sob Suspeita
Duas situações são particularmente emblemáticas na denúncia do BNB:
- A Reversão de R$ 60 Milhões: Uma ação de cobrança de R$ 40 milhões (que corrigidos chegaram a R$ 400 milhões) contra uma metalúrgica por desvio de fundos do Finor foi extinta em 2023. Em uma decisão relatada pelo desembargador João Alves e apoiada por seus pares, o BNB não só perdeu a causa como foi condenado a pagar 15% do valor (aproximadamente R$ 60 milhões) em honorários ao escritório Mouzalas. O BNB classifica a decisão como “parcial” e um “prêmio” a um devedor confesso de desvio de verba pública.
- A Prescrição de R$ 2 Milhões: Em um processo de execução contra um frigorífico que se arrastava desde 1997, o desembargador Onaldo Queiroga, atuando como juiz substituto após a contratação do escritório Mouzalas pela parte devedora, teria declarado a prescrição da dívida e condenado o BNB a pagar R$ 2 milhões em honorários. O BNB questiona a normalidade de tal desfecho em uma substituição judicial.
Além destes, o BNB menciona um terceiro caso envolvendo o desembargador Aluizio Bezerra, que teria mudado seu entendimento e assumido a relatoria de um recurso de forma supostamente irregular (após ter sido voto vencido anteriormente), em um processo com honorários estimados em R$ 1,5 milhão.
O Contraponto: As Defesas Apresentadas
Os acusados negam as irregularidades veementemente.
- Desembargador Aluizio Bezerra: Salientou que suas decisões foram colegiadas e unânimes na 2ª Câmara Cível, não atos individuais.
- Desembargador Onaldo Queiroga: Afirmou respeito ao segredo de justiça, mas ressaltou que suas decisões foram majoritariamente confirmadas em instâncias superiores e que possui 33 anos de magistratura ilibada.
- Advogado Rinaldo Mouzalas: Contra-atacou, anunciando medidas criminais contra o BNB por tentativa de “criminalizar a advocacia”. Seu escritório, em nota, atribuiu os êxitos judiciais a “vícios formais e materiais” nas ações do próprio banco e classificou a denúncia como retaliação e tentativa de constranger o Judiciário paraibano.
“Trata-se de iniciativa que visa a constranger a jurisdição constitucional da Corte de Justiça da Paraíba e a deslegitimar o exercício regular da advocacia…”, afirma a nota do escritório Mouzalas.
O desembargador aposentado João Alves não se pronunciou publicamente até o momento.
CNJ Determina: Investigação é Obrigatória
Um ponto crucial foi a recusa inicial do TJPB em investigar seus membros (outubro de 2024), alegando incompetência. Contudo, a intervenção do Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Mauro Campbell, foi decisiva. Ele determinou que o TJPB era competente e deveria apurar as denúncias. Como resultado, o tribunal paraibano instaurou o procedimento investigatório no final de março de 2025, comunicando oficialmente o CNJ. Este passo sinaliza a seriedade com que o órgão de controle externo do Judiciário encara as alegações do BNB contra os desembargadores da Paraíba.
Consequências e o Caminho Adiante
Este caso transcende a disputa financeira. Ele toca em pontos nevrálgicos como a integridade judicial, a transparência em processos envolvendo erário público e os mecanismos de controle e responsabilização de magistrados. A investigação em curso no TJPB, sob a supervisão do CNJ, será fundamental para esclarecer os fatos.
As possíveis consequências vão desde a absolvição dos magistrados até eventuais sanções disciplinares, caso as irregularidades sejam comprovadas. Independentemente do resultado, o caso já lança um debate necessário sobre a conduta no Judiciário e a gestão de litígios de grande impacto financeiro. A resolução desta contenda será um importante termômetro da saúde institucional e da confiança pública na Justiça brasileira.