Em um movimento calculado, típico de sua longa experiência nos corredores do poder, o ex-presidente Michel Temer (MDB) emergiu como um articulador central na tentativa de encontrar uma saída negociada para o impasse gerado pela pressão da oposição por uma anistia aos condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023. Em declarações contundentes à CNN, Temer não apenas soou o alarme sobre o risco de um “confronto” direto entre o Legislativo e o Supremo Tribunal Federal (STF) caso o projeto de anistia avance na Câmara, mas também apresentou e passou a defender publicamente uma “terceira via”: canalizar a discussão para o próprio Judiciário, focando na revisão das penas (dosimetria), um caminho que ele avalia ter receptividade na Suprema Corte. A intervenção de Temer na questão da anistia busca oferecer uma válvula de escape institucional antes que a tensão escale para uma crise aberta entre os Poderes.
O Diagnóstico do Risco: A Rota de Colisão Institucional
O ponto de partida da análise de Temer é um alerta claro sobre as consequências de o Congresso aprovar uma lei de anistia que se sobreponha às decisões do STF sobre os eventos de 8 de Janeiro. Para o ex-presidente, tal ato seria inevitavelmente interpretado pelo Supremo – e por parte significativa da sociedade – como uma invasão de competência e uma desautorização, configurando um “confronto” de consequências imprevisíveis para a estabilidade institucional.
Ele argumenta, implicitamente, que insistir na via legislativa para o perdão, neste momento e contexto específicos (crimes contra a democracia já julgados pela instância máxima do Judiciário), é colocar lenha na fogueira de uma relação já tensionada entre os Poderes.
A Engenharia da Solução: Canalizar a Demanda para o STF
Diante do risco de colisão, Temer propõe uma engenharia institucional alternativa: em vez de o Legislativo conceder o perdão (anistia), que o próprio STF se debruce sobre a adequação das penas aplicadas aos condenados. Sua tese central é que “há disposição” dentro da Corte para realizar uma “revisão de penas”, analisando caso a caso a proporcionalidade das sentenças em relação à participação individual nos atos.
Essa solução teria a vantagem de:
- Manter a questão dentro da esfera judicial, onde os crimes foram julgados.
- Evitar o confronto direto entre os Poderes.
- Oferecer uma resposta (ainda que parcial e não garantida) à demanda por revisão das condenações, sem negar a gravidade dos atos cometidos (diferente da anistia, que apaga o crime).
Lendo os Sinais da Corte: O Caso Débora Santos como Indício
Para sustentar sua avaliação sobre a “disposição” do STF, Temer utiliza como exemplo a recente decisão do ministro Alexandre de Moraes – por ele indicado ao STF em 2017 – de conceder prisão domiciliar à cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, figura emblemática dos atos por ter escrito “perdeu, mané” na estátua da Justiça.
Temer parece ler nesse gesto, vindo de um dos ministros mais rigorosos na condução dos processos do 8 de Janeiro, um sinal de pragmatismo e abertura para analisar situações individuais e potencialmente ajustar penas futuras ou regimes de cumprimento. Se essa interpretação é uma leitura precisa do sentimento da Corte ou uma aposta calculada de Temer (baseada em suas conexões e conhecimento dos bastidores) é uma questão em aberto, mas serve como argumento central em sua articulação.
O Recado aos Comandantes do Congresso: Alinhem-se ao STF
A proposta de Temer vem acompanhada de um conselho direto aos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Ele defende que ambos busquem ativamente uma “estratégia junto ao STF”. Em vez de serem apenas reativos à pressão da oposição pela anistia, Motta e Alcolumbre deveriam, na visão de Temer, assumir o protagonismo na construção de uma solução consensual com a cúpula do Judiciário.
Transparência como Ferramenta Política: “Tirar dos Bastidores”
Curiosamente, Temer sugere que essa articulação entre os Poderes, que ele acredita já estar ocorrendo “nos bastidores”, deveria ser trazida à luz do dia pelos presidentes do Legislativo. O objetivo seria duplo: demonstrar à sociedade um esforço conjunto pela pacificação institucional e, possivelmente, reduzir a margem de manobra da oposição mais radical, mostrando que uma alternativa responsável está sendo construída. A transparência, aqui, é vista como uma ferramenta para legitimar a solução negociada e desarmar narrativas de confronto.
Temer Tenta Costurar um Caminho Longe da Crise
A intervenção de Michel Temer no debate da anistia revela a atuação de um articulador experiente buscando evitar que o Brasil mergulhe em mais uma crise institucional. Ao alertar sobre os riscos de um confronto direto entre Congresso e STF e ao propor a via da revisão de penas pelo próprio Supremo – uma solução que ele tenta “vender” como viável e com receptividade na Corte –, Temer oferece uma alternativa ao impasse atual.
Seu conselho para que os chefes do Legislativo busquem um alinhamento transparente com o Judiciário é um chamado à responsabilidade e ao diálogo interpoderes. Resta saber se essa tentativa de “engenharia institucional”, vinda de um ex-presidente com notório trânsito nos bastidores do poder, encontrará eco suficiente para desviar o país da rota de colisão que a proposta de anistia legislativa parece representar.