A aparente calmaria na Câmara dos Deputados, induzida pela ausência de seu presidente, Hugo Motta (Republicanos-PB), e pela proximidade do feriado de Páscoa, esconde uma tensão crescente nos bastidores. A bem-sucedida campanha da oposição, liderada pelo PL, para coletar assinaturas “no varejo” e protocolar um requerimento de urgência para o projeto de anistia do 8 de Janeiro, está forçando líderes partidários a reavaliarem sua capacidade de controlar a agenda e a admitirem, reservadamente, a dificuldade em simplesmente “frear” uma proposta que não possui consenso nas cúpulas. O episódio expõe as fissuras na disciplina partidária e coloca sobre Hugo Motta, em seu retorno, a pressão de lidar com uma mobilização que desafiou os canais tradicionais de negociação.
O Poder Além das Cúpulas: A Eficácia da Mobilização Individual
A estratégia da oposição foi cirúrgica. Ciente da resistência de muitos líderes partidários (inclusive de legendas do Centrão e da base governista) à ideia da anistia, o PL e seus aliados focaram em obter o apoio direto de deputados individualmente para o requerimento de urgência – um passo procedural que acelera a tramitação.
Ao superar as 257 assinaturas necessárias, alcançando 262 apoios válidos, a oposição enviou uma mensagem clara: existe uma base parlamentar considerável disposta a acelerar o debate sobre a anistia, mesmo que seus líderes formais não endossem a iniciativa ou prefiram um ritmo mais lento. Essa demonstração de força “no varejo”, diretamente nas bases das bancadas, fragiliza a posição das lideranças que tentavam conter o tema e cria um fato político difícil de ignorar. Como admitem aliados de Motta, a tática “pode dar certo”.
Líderes em Xeque: A Admissão da Dificuldade em Barrar
Se antes da coleta de assinaturas a percepção majoritária entre líderes de centro e da base governista era a de que o tema da anistia poderia ser facilmente contido ou adiado indefinidamente, o cenário mudou. Fontes no Congresso relatam que a admissão da dificuldade em “frear o avanço da proposta” se tornou mais frequente nas conversas reservadas.
A pressão agora não vem apenas do PL, mas potencialmente dos próprios deputados de outras bancadas que assinaram o requerimento, respondendo a pressões de suas bases eleitorais ou a cálculos políticos individuais. Isso coloca os líderes em uma posição delicada: manter a linha partidária contra a anistia e desagradar parte de sua bancada, ou ceder à pressão vinda “de baixo”?
Hugo Motta e o Novo Cálculo do Consenso
Nesse contexto, a posição de Hugo Motta torna-se ainda mais central e complexa. Sua declaração pública na terça-feira (15), enfatizando que a pauta deve ser discutida no Colégio de Líderes e que decisões exigem responsabilidade e consenso, ganha novos contornos.
Se antes poderia ser vista como uma forma de adiar o tema, agora também pode ser interpretada como uma tentativa de construir uma saída coletiva, onde a decisão de pautar (ou não) a urgência seja compartilhada com os líderes, diluindo o ônus político. A reunião marcada para 24 de abril será o palco para essa redefinição do consenso: ele será forjado apenas entre as cúpulas, ou o peso das 262 assinaturas individuais será decisivo?
A Ameaça (ou Promessa) do Efeito Manada
Outro fator que entra no cálculo político é o potencial “efeito manada” caso a urgência seja, de fato, pautada por Motta com algum nível de endosso dos líderes. A oposição aposta que, uma vez aberta a porteira da votação em plenário, deputados que hesitaram em assinar o requerimento podem se sentir mais à vontade para votar “sim” à urgência, seja por pressão de última hora, por cálculo de menor exposição (voto em plenário vs. assinatura individual) ou por simplesmente seguir a corrente majoritária que se formar.
A ambição declarada do PL de atingir 308 votos (simbolicamente, o quórum de PEC) na votação da urgência reflete essa aposta em um crescimento do apoio no momento da decisão em plenário, buscando uma vitória política retumbante.
As Saídas Institucionais Ainda na Mesa
Apesar da pressão e da mudança na percepção de controle, as ferramentas institucionais para desacelerar ou modular o processo ainda existem e estão na mesa de Hugo Motta e dos líderes que se opõem à anistia:
- Comissão Especial: Continua sendo a rota mais provável defendida por Motta para analisar o mérito do projeto, permitindo debate aprofundado e alterações.
- Alinhamento com o Senado: A articulação com Davi Alcolumbre para garantir que o Senado não dê seguimento rápido à matéria, mesmo que aprovada na Câmara, continua sendo uma estratégia para evitar o desgaste isolado da Câmara.
Um Teste à Liderança e à Disciplina na Câmara
A ofensiva da oposição pela anistia do 8 de Janeiro, através da tática bem-sucedida de coletar assinaturas “no varejo”, colocou em xeque o controle tradicional das lideranças partidárias e da presidência da Câmara sobre pautas altamente polarizadoras. A admissão, ainda que reservada, da dificuldade em frear a proposta revela o impacto dessa pressão vinda da base parlamentar.
Hugo Motta retorna do exterior para uma reunião de líderes no dia 24 de abril onde o cálculo do consenso será mais complexo do que nunca. A decisão sobre pautar ou não a urgência – e como fazê-lo – será um teste fundamental para sua liderança, para a disciplina interna dos partidos e para a capacidade das cúpulas de ainda ditarem o ritmo do Legislativo em temas que inflamam as bases. O jogo de poder na Câmara foi redefinido pela força da mobilização individual.