Em um cenário global marcado pela crescente hostilidade comercial entre Estados Unidos e China, os números da balança comercial brasileira no primeiro trimestre de 2025 revelam um quadro surpreendente e paradoxal. Dados oficiais indicam que o Brasil atingiu fluxos de comércio (exportações + importações) recordes, em valores nominais, com ambos os gigantes – justamente no período em que a guerra tarifária entre eles escalou para níveis sem precedentes. Se por um lado os números podem sugerir resiliência e habilidade brasileira em navegar na crise, por outro, um olhar mais atento, especialmente sobre a explosão de 35% nas importações vindas da China, acende um alerta no governo federal sobre a possibilidade de o país estar se tornando uma rota de desvio para produtos chineses barrados nos EUA. O recorde comercial do Brasil com China e EUA em plena guerra tarifária exige uma análise cuidadosa.
Relação com a China: Superávit Resiste, Mas Importações Disparam (+35%)
O comércio bilateral com a China foi o principal motor do recorde geral, ultrapassando US$ 38,8 bilhões no primeiro trimestre. As exportações brasileiras para o gigante asiático somaram robustos US$ 19,8 bilhões, garantindo a manutenção de um superávit na balança.
Contudo, o dado que chama a atenção e gera preocupação é o salto de 35% nas importações de produtos chineses no mesmo período, que totalizaram US$ 19 bilhões. Esse aumento expressivo, que estreitou consideravelmente o superávit brasileiro, levanta questionamentos sobre suas causas:
- Demanda Específica: Parte significativa desse aumento foi puxada por um item pontual – “Plataformas, embarcações e outras estruturas flutuantes” – que registrou importações de US$ 2,7 bilhões (contra irrisórios US$ 4 milhões no ano anterior), sugerindo grandes projetos específicos, talvez no setor de óleo e gás.
- Alerta de Desvio: No entanto, o governo federal monitora de perto a possibilidade de que esse aumento também reflita um desvio de comércio. Com as tarifas americanas sobre a China atingindo 145%, exportadores chineses podem estar buscando mercados alternativos para escoar sua produção, e o Brasil, com sua economia aberta (e tarifas de importação regulares), surge como um destino potencial. O risco é uma “invasão” de produtos chineses a preços artificialmente baixos, prejudicando a indústria nacional.
- Sinais Mistos: Vale notar que nem tudo foi crescimento. Importações de itens como válvulas e tubos da China, por exemplo, tiveram uma queda drástica de 77%, indicando uma dinâmica complexa e não uniforme.
Relação com os EUA: Crescimento Sólido, Recorde no Trimestre, Mas Déficit Persiste
O comércio com os Estados Unidos também atingiu um marco histórico, alcançando pela primeira vez a marca de US$ 20 bilhões em um primeiro trimestre, um crescimento de 6,6% em relação a 2024. As exportações brasileiras para os EUA somaram US$ 9,7 bilhões, enquanto as importações totalizaram US$ 10,3 bilhões.
Apesar do crescimento do fluxo total e do bom desempenho de vários produtos exportados pelo Brasil, a balança comercial com os EUA permaneceu deficitária para o lado brasileiro em cerca de US$ 0,6 bilhão no trimestre.
Os destaques positivos nas exportações brasileiras para os EUA incluíram sucos (+74,4%), óleos combustíveis (+42,1%), café não torrado (+34%) e aeronaves (+14,9%), além de semiacabados de ferro/aço (+14,5%), mostrando força em setores específicos. Pelo lado das importações vindas dos EUA, houve forte alta em óleos brutos de petróleo (+78,3%), medicamentos e farmoquímicos (+42,4% e +29,1%) e motores/máquinas (+42,3%), indicando demanda brasileira por tecnologia, energia e saúde.
Equilibrista Global: O Desafio Brasileiro Entre Gigantes em Conflito
Os números recordes com ambos os parceiros em meio à sua disputa acirrada colocam o Brasil em uma posição singular e delicada. Por um lado, pode indicar uma capacidade de manter relações comerciais importantes com ambos os lados, talvez até se beneficiando pontualmente de oportunidades criadas pelo conflito (como vender mais para um enquanto o outro está bloqueado).
Por outro lado, essa posição expõe o Brasil a riscos consideráveis:
- Vulnerabilidade ao Desvio: Tornar-se destino de produtos chineses barrados nos EUA pode prejudicar a indústria local.
- Pressões Cruzadas: Ser um parceiro importante de ambos pode gerar pressões diplomáticas e comerciais de Washington e Pequim.
- Volatilidade Global: Uma piora na guerra comercial ou uma desaceleração global resultante dela inevitavelmente afetaria a demanda pelos produtos brasileiros em ambos os mercados.
Sustentabilidade em Xeque: Até Quando Duram os Recordes?
A grande questão é se esses números recordes do primeiro trimestre são sustentáveis. O impacto total das tarifas de 145% dos EUA sobre a China ainda está por ser sentido plenamente nos fluxos globais. Se o desvio de comércio da China para o Brasil se intensificar, o governo brasileiro pode ser forçado a adotar medidas de defesa comercial. Se a economia global desacelerar devido à guerra tarifária, a demanda por commodities brasileiras (essenciais nas exportações para ambos os parceiros) pode cair.
Os recordes atuais podem, portanto, representar um pico momentâneo, um reflexo de dinâmicas de curto prazo (como projetos específicos de importação ou antecipação de compras) e de um cenário global que ainda não absorveu completamente o choque das últimas escaladas tarifárias.
Resiliência Aparente, Riscos Latentes
O desempenho comercial do Brasil no primeiro trimestre de 2025 oferece uma imagem paradoxal de resiliência em meio à crescente guerra comercial EUA-China, com recordes históricos de fluxo com ambos os países. Contudo, a análise detalhada revela nuances preocupantes, especialmente o forte aumento das importações chinesas, que levanta suspeitas de desvio de comércio e motiva o monitoramento atento do governo federal.
Embora o Brasil demonstre capacidade de manter e até expandir o comércio com seus principais parceiros em um ambiente adverso, os riscos de ser afetado negativamente pela disputa alheia – seja pela concorrência desleal de importados ou por uma desaceleração global – são significativos. O país navega em águas turbulentas, e a sustentabilidade desses recordes comerciais dependerá tanto da evolução do conflito entre as superpotências quanto da própria estratégia brasileira para mitigar seus efeitos colaterais.