No palco público, o presidente Donald Trump projeta a imagem de um líder inabalável e satisfeito com os conflitos comerciais que iniciou. Aplaudido de pé em um evento do UFC na Flórida no último sábado (12), ele declarou a repórteres que sua recepção “lendária” provava que seu governo estava “fazendo um bom trabalho”. Contudo, por trás dessa fachada de confiança e combatividade, as ações recentes de sua administração na escalada da guerra comercial com a China revelam uma realidade mais complexa, marcada por contradições, ajustes pragmáticos e a dura colisão com os limites impostos pela interdependência econômica global. A decisão de isentar smartphones e computadores da tarifa punitiva de 145% sobre a China é o sinal mais claro dessa tensão entre a retórica de “pressão máxima” e a necessidade de evitar um autocaos econômico.
O Lutador no Palanque vs. a Realidade no Tabuleiro Global
A persona pública de Trump como um “lutador político por excelência” é cuidadosamente cultivada. Em momentos de crise ou confronto, como a atual escalada tarifária com a China, ele busca se mostrar no controle, desafiador e aprovado por sua base. A aparição no UFC e a interpretação dos aplausos como validação de suas políticas se encaixam perfeitamente nessa estratégia de comunicação.
No entanto, a guerra comercial com a China não é uma luta televisionada com regras claras; é um confronto real com riscos sistêmicos imensos. Como o próprio texto base ressalta, as economias dos EUA e da China estão “intrinsecamente interligadas”. Essa interdependência cria uma faca de dois gumes: qualquer medida destinada a prejudicar o outro lado inevitavelmente causa danos domésticos significativos.
A Dependência Americana: O Calcanhar de Aquiles da Guerra Tarifária?
A lista de produtos que os EUA importam massivamente da China ilustra essa vulnerabilidade:
- Tecnologia Essencial: Eletrônicos de consumo (smartphones, laptops), componentes cruciais.
- Recursos Estratégicos: Minerais de terras raras, vitais para veículos elétricos, defesa e robótica.
- Saúde: Produtos farmacêuticos e ingredientes ativos para medicamentos essenciais.
- Bens de Consumo: Itens básicos do dia a dia, como vestuário e calçados, que impactam diretamente o custo de vida.
Ao mesmo tempo, setores americanos vitais, como a agricultura (soja, sorgo), dependem do mercado chinês, e as tarifas retaliatórias (agora em 125% a partir de sábado) ameaçam paralisar essas exportações, atingindo duramente os agricultores – parte importante da base política de Trump. O risco, como alertam analistas, é de sofrimento mútuo, escassez e inflação para o consumidor americano.
A Estratégia de ‘Pressão Máxima’ Atinge Seus Limites?
Foi nesse contexto que Trump elevou as tarifas sobre a China para o nível estratosférico de 145% (125% novos + 20% pré-existentes). A medida veio acompanhada de uma retórica dura e da rejeição desafiadora por parte de Pequim, com Xi Jinping afirmando que a China “não tem medo”.
Contudo, quase imediatamente após a confirmação dessa taxa punitiva, surgiram as primeiras fissuras na estratégia de “pressão máxima”:
- A Isenção Tecnológica: Na noite de sexta-feira (11), a Casa Branca isentou smartphones e computadores fabricados na China da tarifa de 145%. Esta é uma concessão enorme, reconhecendo que taxar esses itens específicos causaria um dano imediato e inaceitável à indústria de tecnologia americana e aos consumidores, que dependem desses produtos.
- A Pausa para Outros: A decisão anterior, na quarta-feira (9), de pausar por 90 dias as tarifas acima de 10% para dezenas de outros países (possivelmente após sinais de estresse no mercado de títulos) também já havia levantado questionamentos sobre a capacidade de Trump de sustentar uma guerra comercial em múltiplas frentes simultaneamente. Pequim, certamente, observou atentamente essa “redução” para outros.
Política Errática ou Ajuste Necessário? A Confusão Aumenta
A isenção dos produtos tecnológicos foi seguida por mais uma declaração confusa no domingo (13): o governo insistiu que esses itens serão alvo de novas tarifas menores “nas próximas semanas”. Essa sequência de anúncios e recuos parciais reforça a percepção de uma política comercial sendo feita “na marra”, de forma “não planejada e precipitada”, como aponta o texto base.
Essa abordagem errática assusta os mercados não apenas pela incerteza que gera, mas porque levanta dúvidas sobre a coerência e a sustentabilidade da estratégia geral. Se a “pressão máxima” admite exceções tão significativas para produtos essenciais, qual sua real eficácia? Se a política pode mudar drasticamente em questão de dias, como empresas podem planejar investimentos e cadeias de suprimentos?
O Jogo de Resistência e as Dúvidas sobre o Desfecho
A questão fundamental sobre quem pode suportar mais dor na guerra comercial permanece em aberto. Alguns analistas apostam na capacidade do regime autoritário chinês de impor sacrifícios à sua população por mais tempo. Outros apontam que as pressões democráticas, o lobby empresarial e o impacto direto no consumidor americano limitam a margem de manobra de Trump.
A isenção dos produtos de tecnologia e a pausa para outros países podem ser interpretadas como sinais de que a administração americana sentiu esses limites e precisou recuar em pontos cruciais para evitar um colapso econômico ou político interno. Resta saber se Pequim interpretará esses movimentos como fraqueza, reforçando sua postura de não ceder, ou como um sinal pragmático que, paradoxalmente, poderia abrir algum espaço (ainda que mínimo) para futuras negociações menos hostis.
Bravado Político Colide com a Realidade Econômica
A imagem de Donald Trump celebrando no UFC contrasta fortemente com os complexos e muitas vezes contraditórios ajustes que sua administração é forçada a fazer na condução da guerra comercial com a China. A isenção de smartphones e computadores da tarifa de 145% é um reconhecimento tácito dos limites da estratégia de “pressão máxima” e da profunda interdependência econômica que nem mesmo a retórica mais agressiva pode ignorar completamente.
Essa aparente dissonância entre o discurso de força e a necessidade de recuos pragmáticos (ou erráticos) cria um ambiente de profunda incerteza. A guerra comercial entra em uma fase onde a bravata política colide cada vez mais com as duras realidades econômicas, deixando em aberto qual será o custo final – para a China, para os EUA e para o resto do mundo.